sábado, 18 de novembro de 2006

“Máscaras da Vida” – episódio I

Por Felipe Carvalho

Ontem tive que ir ao banco, precisava aumentar o limite do meu cheque especial e do cartão de crédito de qualquer jeito. No entanto, não tenho holerite, registro em carteira e nem qualquer outro comprovante de renda... E que banco que dispensaria tais exigências na hora de dar “mais” crédito a um indivíduo? Pois é, comigo não foi diferente!

Quando estive lá cerca de três meses atrás, a senhora que me atendeu foi catedrática ao dizer que tal procedimento não era possível diante dos fatos. Mas o que me incomodou foi o “prazer” que ela demonstrou ao proferir aquelas palavras! Consegui enxergar até uma faísca alaranjada em seus olhos! Diria até que ela foi bastante bruta... Diria não, digo! Aquela dona foi assaz truculenta comigo!

Ontem, entretanto, num surto de teimosia e esperança, retornei ao banco e procurei fazer as coisas de um modo um pouco diferente:

1º Vesti-me de uma maneira bem mais adulta, confiante e – por que não dizer? – atraente também. Estava perfumado e com brilhantina nos cabelos.

2º Estava munido de argumentos e pretextos para fazer a tal exigência! Tentaria usar de toda a minha capacidade persuasiva e dramática nessa empreitada! Se fosse o caso, verteria lágrimas para lograr meu intento!

3º Fora disposto a deixar passar em minha frente quem quer que fosse, de modo que eu não caísse nas mãos da recalcada senhora da vez passada.

Pois bem, estava lançado o desafio! Dirigi-me à ala do ‘atendimento pessoal’ e sentei-me naquelas poltronas macias que ficam enfileiradas ao lado de um vaso de plantas artificiais. Assim que repousei as cadeiras no assento, já esbocei um sorriso para as duas senhoras que prestavam atendimento em suas mesas, sendo que uma delas era o temido dragão de saias e salto alto. Havia dois sujeitos já sentados que aguardavam por atendimento. Ambos foram prontamente atendidos. Logo, portanto, seria a minha vez! A “boazinha” TINHA que desocupar primeiro! E o que eu temia aconteceu: o sete pele foi mais rápido! “Próximo!” – bradou a mulher. Eu, então, num pretenso ato de gentileza disse pro rapaz ao lado que fosse primeiro, uma vez que eu aguardava uma ligação decisiva! Pronto, agora é só esperar que a “gente boa” já vai desocupar, pensei. ”Próximo!” – urrou a fera cavernosa! “Caraca, mas que droga!” – resmunguei baixinho. “Pode ir, meu bem, estou no aguardo de um telefonema importantíssimo!” – disse, novamente cedendo a minha vez!

Não preciso nem falar que a lei de Murphy vigorou como nunca naquele momento e a ogra que me destratara já estava livre uma vez mais, enquanto que a dona simpática parecia estar no meio de uma consulta holística com o cliente. É... uma coisa eu não podia negar, a outra era rápida e objetiva no que fazia, apesar de toda a sua vaidade e intransigência.

Então, como não havia mais ninguém esperando para ser atendido, exceto esse que vos escreve, não tive escolha! Levantei-me e num sorriso contagiante cumprimentei a minha arquiinimiga. As cortinas se abriam e o 1º ato acabara de começar:

_ Boa tarde! Tudo bem? – comecei, tentando amolecer um coração de pedra.

_ Tudo – ela respondeu, como se não esperasse por tanta animação.

Naquele momento pensei que ela pudesse não se lembrar de mim e tentei me agarrar a essa esperança com todas as minhas forças.

_ Nossa, que corrente mais linda! – disse, elogiando aquele amuleto cafona de strass maior que ela própria.

_ Ai, você gostou? É meu talismã da sorte! – respondeu toda envaidecida.

_ Pois você tem muito bom gosto, viu! – preferi evitar o “senhora” para forçar uma intimidade.

Então, comecei falando que queria recadastrar uma senha que não funcionava mais. Ela acessou o sistema, pediu meu cartão, me fez digitar a senha umas cinco vezes e dentro de pouco tempo o procedimento já estava concluído.

_ Mais alguma coisa? – ela perguntou.

_ Qual o seu nome mesmo? – fingi o interesse, como se alguma vez eu tivesse chegado a saber ou me interessado pelo nome da dita cuja. É que você está sem o crachá...

_ Dione – respondeu sorridente.

Ela então me mostrou seu “distintivo” em meio a uma risadinha de quem fez coisa errada.

_ Realmente, Dione, é complicado... Você veio trabalhar com uma blusa tão bonita que dá até dó ter que colocar esse crachá pesado por cima...

_ É verdade rsrsrsrs – ela estava bastante entusiasmada, enquanto eu ainda temia pelo momento em que fosse solicitar o aumento do meu limite... E, ao que ela sorriu:

_ Não acredito! Você tem um piercing no dente! – eu disse, demonstrando uma deliciosa surpresa.

_ Eu pus sim! rsrsrsrs – rindo numa mistura de timidez com falsa modéstia – Você gostou?

_ Muito!!! Já até pensei em pôr um também. Realmente, ficou bem legal – menti como um vendedor de seguros à beira da falência.

Era chegado o momento! E procurei torná-lo o mais brando possível:

_ A propósito... – comecei. A locução, cuidadosamente escolhida, sugeria que o que vinha a seguir era algo bastante trivial e corriqueiro, e não a razão principal da minha visita àquele estabelecimento. – eu estava vendo aqui e minha conta já não é mais universitária. Graduei-me no ano passado e... me parece que os limites costumam ser maiores quando se forma, não é?

_ Isso! Deixe-me conferir aqui – enquanto isso eu rezava para que ela não me pedisse qualquer papel que comprovasse renda.

_ Porque agora eu sou professor, trabalho numa universidade...

_ Nossa! Que legal! – ela parecia realmente ter ficado interessada. Digitou por alguns instantes e retornou o olhar pra mim:

_ Prontinho!

_ Prontinho o quê? – perguntei sem entender.

_ O seu limite já foi aumentado tanto no cheque especial como no cartão de crédito. Eu só preciso que você assine aqui e dentro de 24 horas já estará tudo normalizado...

_ Que bom! – procurei não demonstrar muita alegria para que ela não desconfiasse e de repente voltasse atrás nas questões burocráticas. – Muito obrigado então e...

_ As suas taxas permanecerão menores até o fim do ano. Você pode ficar tranqüilo quanto a isso...

_ Ah sim, claro... ótimo! – realmente eu estava surpreso! Será que minha “abordagem” fora tão decisiva assim nesse processo todo? – Tenha uma ótima tarde, Dione, tudo de bom!

_ Tchau querido, tudo de bom pra você também! E volte mais vezes!

Depois saí do banco e fiquei uma meia hora pensando naquilo... Seria eu um ator? Estaria aquela senhora de TPM na primeira vez em que estive lá? O que teria acontecido de fato? Estaria o “jeitinho brasileiro” entrando em cena? Bem, não sei! O que posso dizer é que esse é um dos casos que integram a obra “Máscaras da Vida”, ainda a ser lançada.

9 comentários:

Anônimo disse...

nossa, impagável seu blog, colocarei como favorito nos meus... abraços, Fê Rossini - www.fhrossini.zip.net

Carlos Filho disse...

Boa Felipasso.
Que venha parte 2, 3 e 4. hahahahaha

Anônimo disse...

Felipee!!!

Simplismente a-m-e-i

É a sua cara!!!

Bjaum pra vc

Bruno Carvalho disse...

Uma crônica que faz com que a gente se divirta e sem querer, leia de novo. Muito bom! Adorei os comentários seus no decorrer da história. Esse foi o máximo:
"Realmente, ficou bem legal – menti como um vendedor de seguros à beira da falência."
Vou usar essa tática para diminuir o juro de um empréstimo que fiz, ahahahahah!
Grande abraço!

Bruno Carvalho disse...

Ps. E eu acho que eu sei quem é essa atendente, ahahahahhahah!

Carlos Filho disse...

Bom, voltei aqui pra ler a crônica de domingo e me deparei NOVAMENTE com o seu texto, que apesar de te-lo ouvido já não foi o bastante pra achar que ficou excelente em "cunho Felipal"! Agora garanto, li com muito mais atenção...hehehe

Sessyllya ayllysseS disse...

Sem palavras!!! É assim mesmo q as coisas acontecem... Ou melhor, só acontecem quando interpretamos o papel q esperam d nós...
E vc soube retratar isso d maneira singular, inteligente e divertida.
Ótimo texto, parabéns, Felipe!!!
Bjos!!!

Ciro disse...

Hahahahahha!! Tive que rir, cara! Se isso foi verdade mesmo, vc é cínico demais!! Hahahhaha!! Adorei, adorei!
Belíssima narração! Os comentários então, são todos impagáveis!
Quero mil cópias dessa sua obra quando for lançada! Hahahahahha!!
"Ogra", filhãããããããão!!!!!!
Grande abraço!

Flavio Carvalho disse...

Ahá,
dpois pesos, duas medidas


boaaaaa!!!