terça-feira, 14 de agosto de 2007

Mais que espelhos...

Por Bruno Carvalho

O homem acordou com uma das piores visões do mundo: Ele mesmo dormindo e roncando. O homem não estava acreditando naquilo, tanto que por mais que gritasse, o sujeito que dormia, que era ele mesmo, não ouvia. Nesse ínterim a campainha havia tocado. Na certa era a vizinha chata para averiguar o que seriam aqueles gritos. Contra a sua vontade o homem foi atender, e para seu espanto o visitante inesperado não era a vizinha, e sim Ele mesmo reclamando da vida.
Como isso pode estar acontecendo? – pensava ele. Foi então que o homem decidiu procurar ajuda, ignorando completamente o fato de que o relógio marcava quatro horas da madrugada. Entrou em um barzinho que sempre freqüentava, e lá estavam muitos outros Eles bebendo em demasia e dando vexame. Outros Eles serviam bebida com extrema má-vontade, e outros ainda reclamavam exageradamente do serviço e da conta.
Uma sensação estranha tomava conta do homem. Algo como um pesadelo em que ele não poderia acordar. Quanto mais o homem tentava fugir daquilo tudo, mais apareciam outros, que na verdade eram vários “ele”. “Me ajude, por favor!” – dizia ele mesmo, vestido de mendigo e implorando por um trocado. Ao mesmo tempo ele mesmo maltratava o mendigo, dizendo desaforos que não se diz nem mesmo ao diabo.
Um minuto parecia uma eternidade. Por todos os lados só existia... Ele. E no auge do desespero, o homem passou a gritar e a correr. Queria ajuda, seja ela qual fosse. Os “outros ele” continuavam a se manifestar, pedindo por silêncio. Estavam ocupados demais para ouvir gritos histéricos e sem lógica. Ele tentava argumentar que já não agüentava mais aquilo, que preferia mil vezes a morte, mas era tudo em vão... Eles não ouviam...
“Não vá chorar agora, hã?” – Dizia ele em um tom bastante irônico e ainda, muito bem alinhado.
“Por quê? Por quê?” – Perguntava o homem aos céus, pedindo por misericórdia.
Foi então que procurou uma faca e tentou se matar. Mas a morte era ele mesmo segurando a foice, e por mais que se esfaqueasse, ele mesmo, vestido de médico salvava a sua vida. Se morresse encontraria o demônio com o seu rosto. Na melhor das hipóteses, ele mesmo vestido de anjo.
Já não havia o que mais pensar e o que fazer. Todos os seus atos refletiam em sua pessoa. O mundo passou a ser ele mesmo fazendo o que ele sempre fazia. Seus maiores defeitos estavam ali, ao seu redor, e ainda personificados.
Só depois de muito tempo, mas muito tempo mesmo, que o homem percebeu a verdade, e o quanto o mundo ganhara por ter perdido alguém como ele. Pois o homem teve tempo de analisar os outros que estavam ao seu redor. Tudo estava muito claro, mas ele não enxergava. Não enxergava que aquilo não era loucura, e sim o que ele via realmente: Ele mesmo, um ser completamente egoísta, mesquinho e sem compaixão.A partir daí, aos poucos, o mundo, que até então era só dele, passou a dar espaço para outros. E o homem aprendeu que o significado dessa loucura toda é, muitas vezes, o contrário do que geralmente todo mundo almeja...

7 comentários:

Carlos Filho disse...

Esse ai é o "Eu, eu, eu. Meu meu meu!"
Conheço o naipe!

Sessyllya ayllysseS disse...

Bruno, esse texto ficou perfeito! Desde o título até à última frase! De fato, tudo não passa de espelhos pra nós, embora nem sempre tenhamos a oportunidade - ou o interesse - de perceber isso.
Parabéns!!!
Bjus!!!

Ciro disse...

Bem legal, Brunão! Me lembrei daquele filme "Quero ser John Malkovich". No entanto, no seu caso, a coisa foi bem mais FUNDA e PROFUNDA. Um texto bem Brunístico. Isso mesmo, cara! Vc já tem seu estilo próprio, e eis a graça da coisa toda! Minhas congratulações!
Ainda estou pensando nessa última frase do seu texto...

Abraaaaaaço!!!

Noé Sobrinho disse...

Interessante!
Isso de revela o "pseudo eu mesmo".
cada vez mais o mundo é individualista.

Muito bom o texto.

Felipe Carvalho disse...

Formidável, primo!!

Como nunca pensei em algo assim antes? hehehe

Idéia muito boa e muito bem trabalhada também!

Acho que detestaria um mundo de 'Eus' meus!

Mas, infelizmente, a tendência é querermos tornar as pessoas cada vez mais "parecidas" conosco e, se não forem, não nos servem!

Show de bola!!!
Abraço!

Pietro disse...

Uau, como diz no nome é um texto para se refletir, o mundo não é de um mas de todos, não adianta fazer nada que isso não será mudado.

Belíssimo texto Bruno

Rafael disse...

cara muito louco curti demais bem legal ja pensou varios brunoes ei nao sei o que é nao mas to nessa ai hehehehe.
mas foi fantastico mesmo e como o ciro disse bem brunistico cara valeu e meus parabens