... e tascou-lhe um beijo, desses que ao final desencadeiam as mais diversas sensações. Ela as sabia descrever. Nunca fora beijada daquela forma: sentia o céu se abrindo e ela indo em sua direção. Sentia um frescor de hortelã nos lábios e sua carne tremia, mais que isso, palpitava num tremor frenético que se fazia e desfazia em sorrisos, em risos, em prantos, em choros e, finalmente, em lágrimas. Lágrimas de bem-querença, lágrimas de algo novo que acabara de ganhar. Único e maravilhoso. E mais lágrimas... Leonora não sabia, mas estava sonhando. Agora ela já sabe e se levanta do chão com o rosto visivelmente marcado por lágrimas que teimaram em sair enquanto ela suspirava oniricamente.
Fora a primeira vez que ela teve essas sensações tão estranhas... Esses sonhos estranhos. Ao sair do banho, buscava um jeito de ordenar todos os fatos, saber do princípio e do desfecho tão irrisório. Enquanto procurava o fio da meada, por conta própria ia traçando o seu enredo particular. Colocando elementos que sempre estiveram ocultos em sua mente, povoando a sua mentezinha frágil e infértil de romances que ela sempre soubera que nunca se tornariam verdade. Sempre fora a mais feia, a mais desprezada e a menos cobiçada das suas oito irmãs; a única proposta de casamento que recebera na vida fora pronunciada por João do Cândido – um vendeiro que habitava no vilarejo em que ela viveu e do qual fugira nas vésperas do casamento. Três dias antes, para ser mais exato.
Ainda totalmente absorta na reconstrução fantástica do sonho, Leonora escolhia os fatos que contaria às amigas da lavanderia. Elas sempre traziam estórias eróticas e reais experimentadas com os seus respectivos parceiros. Nunca na vida de Nora - como era conhecida -, houvera uma história tão ricamente elaborada. Havia sido um sonho, mas era a oportunidade que ela teria de não mais possuir o título de “virgenzinha da vila”. E ela sabia que era...
Cada minúcia dos fatos era repetida várias vezes de si pra si, para que não ocorressem atropelos ou contradições. Suas colegas arderiam de inveja ao saberem das suas proezas eróticas. Era a primeira vez, também, que ela se divertia tanto. Preparando tudo como se fosse uma receita de bolo de fubá; e ela, ali, detalhava, sorria e sentia como real tudo aquilo que ela tinha absoluta certeza de não ser...
Tudo dera perfeitamente certo. Leonora uma vez na vida se tornara o centro das atenções. As onze mulheres a cercaram de perguntas, de curiosos e verdadeiros questionamentos... Queriam a todo custo detalhes e mais detalhes. Tamanhos, cheiros, gostos, sensações e posições... Ela sabia tudo... Muito lhe serviram aqueles contos encontrados uma vez na lata do lixo. E repetia tudo como uma ladainha ensaiada ao longo de toda uma vida. Agora, depois do ocorrido dizia pra si mesma “foi real, foi real, foi real”... Ela sabia que não tinha sido...
Diante de tal revelação, suas lágrimas se tornaram fartas. Tão fartas quanto as estrelas no céu e as águas nos oceanos. Serenas e, ao mesmo tempo, humildes. Chorava, chorava, chorava... Os soluços pareciam uma ópera derradeira, rompendo pela madrugada a fora, como um sinal de tristeza, de desespero, de medo ou de dor. Impossível definir em tão poucas e curtas palavras. Mas era um sofrimento vivo, calcado em experiências imaginadas e irreais.
Agora, concentrava-se em suas derrotas e tristezas. Um sol, no entanto, despontava no horizonte muito ao longe e trazia consigo alguém que poderia mudar a sua história... Assim como o sol, Santiago iria lhe dar a vida necessária... Ela não sabia, ele não sabia. Continuariam a não saber, se continuassem a procurar coisas vãs e além dos seus próprios merecimentos.
8 comentários:
Sempre confundo o dia seu com a Cessilia...o jeito de escrever parece...hi!!!
Bacaninha Rê...
RE-GI-NAL-DO... O que foi isso, rapaz? Esse vai para o meu Top 3 de suas criações sem dúvidas! Definitivamente, formidável! Nota 1000!
A cada parágrafo que lia, eu pensava em uma nuance interessante para comentar aqui. Porém, foram tantos detalhes curiosos, tanta surpresa e tanta coisa bela, que acabei me perdendo nas minhas reflexões! Só posso dizer que o texto ficou interessantíssimo do começo ao fim! E verdadeiro também!
O final casando com a história do "Sol-tiago" não poderia ter ficado melhor!
Meus sinceros parabéns!!
Muito bom Vassago,
uma história interessamtíssima
dentro de um cenário comum, o
que deixa a gente preso no enredo,
também gostei do santiago ser mencionado no final,
uma junção e tanto, que merece continuação,
abraços,
Elementar meu caro Vassago.
bom texto
Brilhante, Rê!
Primeiro, as ilusões pueris contaminadas pela cobrança externa, a inocência maliciosa e a encenação premeditada...
Depois, a satisfação por ter convencido os outros e o reconhecimento de que não é possível convencer a si mesma... Tristezas muitas...
Por fim, descobre-se que há uma metade (nosso velho conhecido Sol-tiago, como disse o Felipe) para completar essa meia-laranja - desde que ambas encontrem um sentido mais íntegro para suas vidas...
Eu sabia que ia virar saga... Os textos estão perfeitos!
Parabéns!!!
Bjus!!!
Fantástico! Não devem haver muitos vilarejos onde se possa encontrar livros na lata do lixo...
Observe que as mulheres muitas vezes falam bem mais de sexo do que os homens.
Eu gosto é do IBOPE...Passou do seis coments meu amigo. Eu to dentro!
Sou o Zé Povinho, o Big Brother B. 1, 2, 3, 4, 5 até 10, o telespectador da novela das 8. Não sou único. Da minha laia tem mais de mil. Mil de mim morrerá mais de mil surgirá!
Tenho gana, não me engana. Sou do povo, sou O povo. Ta na moda? Me acomoda!!!!!!!
To na festinha de verão, no perfume sensação. To na moda, mermão, to na moda! Finalmente estou aqui quando mais de 5 comentaram, tenho medo de ser único mas agora construo meu legado!
E aí Regis!
Não posso negar que esse foi um de seus melhores textos! A descrição, os sonhos, a ambientação e a intertextualidade com o Santiago, personagem que me cativou bastante...
Grande abraço!
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