Luta em família

Por Ciro M. Costa

Ouça o tema da luta enquanto lê:

Às vezes se está mais ligado com a natureza do que se imagina. Assim que Matso Hatso e Samyra Hatso começaram a lutar, as árvores e os animais se aquietaram. E nenhum deles ousou assistir. Parecia que sabiam: seria horrível demais ver pai e filha lutando daquele jeito.
O guerreiro estava sereno, calmo. Desviava-se dos golpes como se estivesse fazendo a coisa mais normal do mundo. Mas Samyra não. Samyra tinha ódio nos olhos. Estavam vermelhos, e assim ficariam até que visse pelo menos uma gota de sangue de Matso.
- Eu posso fazer isso o dia todo, filha. – disse ele, se desviando de mais um golpe.
- Pois então faça, cretino! Faça até se cansar! E quando se cansar, estará morto! – disse Samyra, tentando cortar-lhe com a espada.
Centenas de desvios e milhares de tilintares de espadas... e Matso Hatso não tinha cara de quem ia se cansar daquilo tão cedo. E a natureza estava apreensiva.
- Por que, afinal, está fazendo isso, Samyra? Nada justifica a filha querer matar o próprio pai!
- Ah, não? O que acha do pai ser um covarde? O que acha do pai ser um idiota? O que acha do pai ser um pobre coitado e humilhado que sujou o nome da família? O que acha do pai ter matado a própria esposa???
O guerreiro ficou tão surpreso, que se distraiu, e a espada de Samyra arrancou-lhe sangue do braço esquerdo.
- Aaaargh!!! – gritou ele.
- Ora, ora! O guerreiro sem sentimentos sente dor afinal! Tem mais de onde veio essa!!! – e Samyra atacou com mais ferocidade.
Matso se recuperou e novamente pôde se defender dos golpes de Samyra. Mas agora ele sabia que um passo em falso poderia ser mortal...
- Minha filha! Do que você está falando? Eu não matei sua mãe! Aquilo...
- Foi um acidente? É o que vai repetir, papai? Acha que sou alguma idiota? Acha que não sei que nossa casa não foi incendiada de propósito?
- Do que você está falando??
- Estou falando de tudo o que você já sabe, papai! Makyro Kamro me contou tudo!
- Makyro Kamro é um bastardo mentiroso!
- Não, papai! Makyro Kamro é muitas coisas ruins... mas mentiroso ele não é. Você bem sabe disso.
- EU NÃO SEI DE NADA, SAMYRA!!! MAKYRO NÃO SABE DE NADA!!! VOCÊ NÃO SABE DE NADA!!!! – agora, Matso Hatso estava descontrolado.
- Está zangado, é? Não sabia que você ainda possuía esse sentimento, papai! Vamos lá! Gosto de te ver assim! Se ficar mais zangado um pouco, talvez eu até lhe diga que te amo! Hahahahah!!!
Agora, era Matso Hatso quem desferia golpes furiosos. Mais um pouco, e ele conseguiria a primeira lágrima que Daika Niki havia pedido. Uma lágrima de fúria.
Se a natureza tivesse parado para assistir àquela luta, poderia ela afirmar que aquilo tudo durou várias horas seguidas. Foi mais menos esse tempo que durou, até que Samyra e Matso começaram a se cansar. Ela, ainda impaciente e zangada por não ter eliminado o pai em menos tempo. Ele, cheio de ódio e culpa... também por estar lutando com a própria filha. Espadas se chocando há horas a fio e ninguém conseguia resultado algum. De repente, percebia-se que aquilo só terminaria de duas maneiras: ou alguém desistia... ou morria!
- Samyra, precisamos parar com isso! O melhor que temos a fazer é conversar!
- Hahahahahahah!!! Eu? Samyra Hatso? Conversar? Hahahahhaha!!! Sabe que há tempos eu não dou uma boa gargalhada, papai? O senhor é mesmo uma piada! Diga isso a todos os que me conheceram pelo caminho até aqui, e garanto que vão rir de você também!
- Você está indo longe demais, Samyra! Você está fora de controle!
- Não, papai! Estou ‘liberta’ dos sentimentos humanos mesquinhos. É diferente de estar ‘fora de controle’!
- Está bem então, senhorita!
- Hein?
De repente, Matso Hatso jogou sua espada no chão, e ofereceu seus braços.
- Pra mim já basta! – disse ele, com suor no rosto. – Não vou mais lutar com minha própria filha. Só essas horas lutando com você, e já vou lamentar bastante pelo resto da minha vida!
- Não!!! Covarde!!! Pegue já sua espada e lute como um homem!!!
- Exato. Um verdadeiro homem não deseja a morte de outra pessoa, especialmente sua filha.
- Ah é? E o que me diz da morte da esposa dele??
- É. Você tem razão, Samyra. Eu fui mesmo responsável pela morte de Haryana. Por uma tolice imperdoável, eu acabei matando a pessoa que mais amei nessa vida.
- Então assume seu crime?
- Crime? Qual deles? Ter sido um péssimo filho? Ter sido um péssimo líder? Ter sido um péssimo pai? Ter deixado uma de minhas filhas morrer? Ter se deixado enganar por um suposto amigo? Ter desejado a morte desse amigo? Ter incendiado sua casa, com a intenção de matá-lo? Ter descoberto que minha esposa era infiel, e estava lá bem na hora do ocorrido???
- Não diga asneir...
- Vamos, Samyra!! Diga-me!!! Qual desses crimes eu devo assumir???
- PARE COM ISSO!!! Pare de bancar a vítima!!! Quer saber mesmo? Acho que deve assumir todos eles, Matso Hatso!! Todos!!! Agora, pegue sua espada, e vou fazer pagar por todos eles! Vamos!
Então, Matso baixou suas mãos, e disse calmamente:
- Você está obcecada, Samyra! Há meses você queria isso. Lutar comigo. Me matar. Na verdade, você nem sabe mais o motivo. Seu único objetivo se tornou esse: me ver morto por sua espada.
- Que seja!!! Vamos com isso!!! Lute!!
- Não. Eu não vou mais lutar com você!
- Vai sim!!! Senão, vai confirmar tudo o que andam falando a seu respeito: que você é um fraco! Um covarde!!!
- Eu não me importo. – dito isso, Matso Hatso embainhou sua espada e virou as costas para Samyra.
Ela, sabendo que não conseguiria convencê-lo, disse:
- Está certo, guerreiro. Já vi que não vai mesmo lutar. Então, só me resta acabar logo com isso.
Então, Samyra Hatso ergueu sua espada. Matso Hatso, como se pressentisse o perigo, virou-se, e gritou:
- SAMYRA!! NÃO!!!!!


Bom, pessoal, é isso. Por esse ano, as aventuras inéditas de Matso Hatso estão encerradas, devendo retornar somente no dia 1º de fevereiro de 2008. Na sexta-feira que vem, teremos um texto especial de fim de ano e, em janeiro, durante todo o mês, estaremos re-postando aqui os melhores textos desde que o Boneco Verde foi fundado. Dentre esses textos, teremos duas histórias do Matso Hatso que foram postadas em 2007.
Contamos com vocês por aqui!

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E não perca também hoje mais uma áudio-crônica no blog ESTOUROU!!! (estourou.blogspot.com)