Crônicas da Cripta - Trul

Trulado por Ciro M. Costa

Olá, pessoas vivas. Pra quem não me conhece, meu nome é Clarilda. Sou aquele espírito preso na internet, que adora contar histórias sinistras. Se você gosta delas, continue lendo. Se não, melhor não fechar o olho esta noite...
Certa vez, ao atravessar aquele cruzamento a pé, novamente Trul sentiu uma daquelas estranhas dores ‘do nada’, porém, desta vez no joelho esquerdo. Foi aí que resolveu finalmente procurar um médico.
- Agora não dá mais! Deve ser coisa grave!
Lhe disseram para procurar o Dr. Stranderbust, perito no assunto de ‘dores do nada’(e, até o momento, o único perito).
- Bom dia, Trul! Queira se sentar, por favor. – disse o médico.
- Bom dia, doutor! Obrigado!
- ‘Trul’... é esse mesmo o seu nome?
- Sim. Stranderbust é o seu?
“Hum... um daqueles engraçadinhos que revidam gozações. Gostei dele.”, pensou o médico.
- E então? Qual o seu problema, Trul? Aproveite, pois hoje é o último dia em que vou atender esse tipo de caso. Estou mudando de área.
- Mesmo? E em qual área irá atuar?
- Beba isto.
O Dr. Stranderbust entregou um líquido meio esverdeado a Trul. Ele o bebeu e cuspiu no mesmo momento.
- GASSP!! Que diabo é isso, doutor???
- Não gostou? Estou me especializando em urinoterapia.
- ARRRGH!!!!
- Faz bem pra saúde, não sabia? Mas deixa pra lá. Vamos ao seu caso.
- Que droga! Dr. é o seguinte, há muito tempo que tenho sentido dores em várias partes do corpo, sem motivo algum. Elas vêm e vão após algum tempo, principalmente quando estou atravessando uma rua! Hoje mesmo senti uma forte dor no joelho direito e...
- Certo, certo. Por favor, me acompanhe.
Trul seguiu o médico até uma sala cheia de monitores. O Dr. Stranderbust os ligou e digitou uma senha. Em poucos minutos, apareceram várias imagens de Trul, em diversas situações ruins: enfaixado, deitado em uma cama, de muletas, gesso no braço ou na perna... em um monitor havia até um túmulo.
- O que significa isso, doutor? Onde arrumou essas imagens?
- No youtube.
- Hein?
- Hahahahahha!! Brincadeirinha. Preste atenção, Trul, pois vou explicar somente uma vez, okey?
- Diga logo!
- Todos esses outros ‘Truls’ que você está vendo, são versões suas de realidades alternativas à nossa.
- Hein???
- Não seja surdo, já disse que vou explicar só uma vez. Através desses monitores, você pode ver todas as suas versões alternativas existentes. E quer saber por que a maioria delas está em estado ruim? É porque se machucaram gravemente quando foram atravessar a rua, e todas as vezes em que isso aconteceu, você sentiu uma dor relativa à elas.
- Não estou entendendo...
- Por exemplo, veja esse. – O médico apontou para um monitor onde havia um Trul com a perna enfaixada. – Esse Trul quebrou o joelho hoje de manhã, e provavelmente você sentiu sua dor no joelho por causa disso.
Trul entendeu, mas era difícil de acreditar naquilo. Sentiu-se um privilegiado por somente ter sentido dores, enquanto suas versões alternativas sofreram acidente mais grave. Por outro lado, achou aquilo injusto.
- Dr., não posso deixar que isso continue acontecendo. Essas pessoas... esses... ‘Truls’... eles... eles são eu!!!
- Bem, rapaz, não posso fazer nada. Como lhe disse, já estou parando com essa especialidade. Aliás, vou destruir todo esse equipamento hoje mesmo. Você está dispensado.
Trul foi embora, pensativo. Chegou em casa, abriu uma lata de marrom glacê, e decidiu:
- Não, não posso deixar que isso aconteça mais! Vou ajudar as minhas versões a se cuidarem melhor!
E foi o que Trul fez. Viajou através de todas as realidades alternativas existentes (um dia eu explico como), a fim de ajudar a si mesmo (essa frase pode ter mais de dois sentidos, se quiserem). Todos os Truls que ainda não haviam se machucado seriamente, receberam recomendações de Trul:
- Olhe para os dois lados antes de atravessar a rua. Não pule de grandes alturas. Seja precavido. Não fique ouvindo mp3 na maior altura quando andar pela calçada. Cuidado com escadas. Esteja sempre atento. Verifique sempre os freios do carro. Use camisinha. Não converse com tatus-bandeira.
Trul também ajudou suas versões que estavam internadas em hospitais. Algumas delas não possuíam bom plano de saúde, e ele lhes emprestou sua carteirinha. Outros, infelizmente, chegaram a falecer, e Trul fez discursos sobre si mesmo em alguns velórios.
Assim, Trul ajudou a si mesmo sempre que podia, sempre se dedicando. Mas, infelizmente, Trul foi traído por si mesmo. Um Trul alternativo, insatisfeito e muito ruim, decidiu jogar Trul de um prédio, e o mesmo veio a falecer. No momento em que Trul caiu no chão, todos os outros Truls sentiram uma forte dor nas costas.
E este foi o fim de Trul. Ou de somente um deles. Moral da história: Não estar satisfeito consigo mesmo, pode ter graves conseqüências.
Meu nome é Clarilda, e não se esqueçam: luzes estranhas na roça à noite, é fantasma dando festa do cabide.