sábado, 14 de agosto de 2010

A Festa

Por Giovanni Oliveira





Não era muito grande o bar, nada que se assemelhasse a algo pomposo, mas era por si só um ambiente agradável, com quadros nas paredes, umas poucas mesas do lado de dentro e mais um bocadinho do lado de fora. Dois ambientes, não por conta de algum luxo esperado, mas por exigência do tamanho do local, casa antiga transformada em bar, ou em lanchonete, ou em restaurante. Cozinha apertada mas produtiva. As bandejas rodavam por todos os cantos. Num outro canto o garçom pensativo e preocupado com o horário de ir embora. O movimento era de morte, pessoas de diversos locais da cidade invadiam o pequeno bar, senhoras com seus cigarros em meio a copos e copos de cerveja. Conversavam sobre trabalho, roupas e empregadas domésticas. Uma delas falava mal da costureira. Outra havia pegado o marido com a madrasta, pediu mais cerveja. Homens conversavam sobre coisas estranhas, inclusive negócios. Alguns vinham da bebedeira diurna, era sábado. Era noite. Ele chegou.
Ele chegou, primeira vez no bar, mulher e dois filhos o acompanhavam. Era triste o quadro, os olhares redondos. Ele também era redondo, crianças pequenas, magras e quietas, mal conseguiam conversar porque tinham sono. Haviam acabado de sair de uma festa de criança, local onde todos comem de todas as coisas que há em festas de criança. Mas mesmo depois de comer de todas as coisas que há em festas de criança, estes queriam provar da especialidade servida no bar: batatas recheadas, todas grandes, suculentas. Na Roma antiga, soldados marchavam para a conquista de terras. Assim eles marcharam em busca de batatas enormes, com recheios enormes e também sabores enormes. O bar lotado. O garçom atendendo, a hora não passava. Calor insuportável.
As crianças queriam ir embora, mas ele esperaria o tempo que fosse preciso para ter acesso àquelas batatas, todas lindas e grandes, vinham em uma tigela de barro. A encomenda deles demoraria a ficar pronta, havia muitos clientes na fila. O calor aumentava. Na cozinha todos os fornos ligados na tentativa de agilizar o trabalho e satisfazer clientes, embora fornos não saibam que clientes esperam. Calor.
Ele sentia um calor que vinha de dentro, intenso, parecia que tudo pegaria fogo, a começar por ele mesmo. Em volta da mesa bandejas circulavam ágeis, e ele com pressa, as crianças sonolentas e com pressa, a esposa, sem saber o que pensar, não pensava nem dizia nada. E ele com calor, muito calor, precisava lavar o rosto, refrescar-se. Pediu licença à esposa e às crianças, iria ao banheiro do bar porque bares não possuem toaletes. Bares possuem banheiros. Ele havia gostado do banheiro, eram individuais, um para ele e outro para ela. O calor ainda era insuportável, talvez porque comera de tudo na festa. Ao sair do banheiro encontrou o garçom e pediu-lhe que o desculpasse, pois sentira pequena indisposição no banheiro. “O bar possui um belo banheiro”, disse ele ao garçom, que sorriu enquanto o cliente voltava para a mesa.
Ao chegar à mesa, viu que as crianças dormiam juntas, uma abraçada com a outra. Chegou a ficar com pena delas, mas logo estariam em casa. As batatas eram mais importantes no momento, haveria muito tempo para as crianças dormirem quando chegassem em casa. Parecia que o calor já não era tão insuportável, com certeza o asfalto esfriara, pois já eram onze horas da noite e além disso quase todos os clientes já haviam ido embora, restando somente eles no bar. Finalmente as batatas chegaram, cheirosas e grandes, quentes, duas recheadas de frango e duas de calabresa. As de frango para as crianças, mas estas dormiam, inocentes e abraçadas, o sono era-lhes mais importante que batatas, já haviam comido doces na festa e para crianças doces são mais importantes que batatas, mesmo que se tratassem de batatas.
Ele começou a comer. As batatas, um sabor fantástico, forte e ao mesmo tempo sugestivo. A esposa também comia calada, encantada com cada bocado do prato. O garçom sentia sono, já era meia noite e aquele não era um bar comum, pois fechava cedo. Depois de saborear a batata recheada com calabresa, ele começou a comer as de frango, antes destinadas às crianças. A mulher disse que seria melhor que mandassem embrulhar para levarem para casa, as crianças sentiriam vontade no outro dia. Mas ele não concordou, poderiam voltar no outro dia, o que importava era acabar com aquelas batatas. Havia na mesa duas batatas de frango que eram das crianças, as duas grandes e suculentas, e ele comera as duas. A esposa comera a sua de calabresa, ele comera a dele e as das crianças. Eram deliciosas. O garçom já guardava as mesas do lado de fora.
Finalmente, ele terminou sua refeição com um semblante de satisfação por tudo o que acontecera naquele dia, àquela altura interessante. As crianças, já debruçadas sobre a mesa, mesmo dormindo, cansaram-se da mesma posição. Pediu a conta ao garçom, este já alegrando-se com a ida do último cliente. Pagaram e saíram, cada criança no colo de um. Abriram o carro, colocaram as crianças lá dentro e foram embora. E ele feliz, porque comera e depois que fora ao banheiro o calor passara. Ela feliz porque comera e dentro em breve estaria deitada, dormindo. No bar, o garçom feliz porque fechara as portas, dentro em breve estaria em casa. A cozinheira já preparava uma porção para levar para casa, uma batata enorme, mais enorme que as servidas no bar, e estava também feliz, pois comeria acompanhada do namorado e cervejas, muitas a noite inteira. No final da noite comeria uma cocada japonesa que ganhara de uma amiga chamada Dora, pois ouvira que doces ajudam a curar bebedeira.
O garçom também arrumara uma batata para levar para casa e mudara de roupa. Estava sonolento, a noite havia sido bastante tumultuada e além disso não gostava de atender clientes, pois muitos eram chatos e ignorantes. Chamou um táxi e dirigiu-se para o banheiro. Lembrou-se do homem que fizera elogios ao banheiro daquele bar. Abriu a porta e o mundo abaixo de seus pés parecia deslizar, sentiu vontade de desaparecer, algo em seu mais profundo âmago desnorteado, um amontoado das mais recônditas tristezas da vida afloravam de repente, pois nunca presenciara tal cena, tal cenário, tal novela, tal tudo. Somente pôde lembrar-se que aquele homem que havia se desculpado pela indisposição que sentira fora o último cliente a entrar no banheiro, mas só agora passou a entender a que tipo de indisposição aquele homem redondo de olhares redondos se referia, nunca vira nada como aquilo. Foram apenas pouco mais de dois segundos, porque fechara a porta rapidamente dado o horror que sentira, mas vira o suficiente.
E todas as peças do banheiro, na verdade não as via mais, pois estavam todas cheias, todas lotadas, o chão tornara-se o que não deveria tornar-se, mesmo em sua condição de chão de banheiro. O calor havia sido grande, e a festa de criança, deve ter sido maior ainda.

Um comentário:

Sessyllya ayllysseS disse...
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