quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Enoque

Olhou pela janela e viu o homem. E toda a náusea da existência percorreu-lhe o corpo. Homem. Sentiu o cheiro da carne e teve nojo, nojo de si, nojo de existir, nojo de ser, nojo do homem. Almejava à perfeição, e homem não é perfeito, homem é corpo, homem é a corruptibilidade, homem é a incapacidade, é inacabado. Respirou profundamente, sentiu o ar entrar lentamente, gelado, e depois sair, sair, sair. Tentou imaginar toda a podridão da humanidade saindo junto com ele, e viu o ar sair rubro, rubro de sangue de homem. Não queria ser homem, queria ser anjo. Anjos são a perfeição. Mas... anjos também caem. Queria voar por aquela janela e ver de longe a humanidade, sem pertencer a ela. Queria ver o homem com olhos que não fossem de homem. Ah, se pudesse, se pudesse ser qualquer outra coisa que não fosse homem, se pudesse apenas não ser. E o sol começava a descer, e tocava o chão, e devagarinho ia sendo engolido pela terra. Pela terra cheia de homens. Pensou que um dia a terra vomitaria o homem, homem é amargo. Homem. Ouvia a palavra ecoar em sua mente. Homem. Homem. Homem. E sentiu a humanidade percorrendo-lhe as veias, como milhares de besouros a correrem por sob a pele. A vida escorre. A vida escoa. E corre. Corre. O homem é pó. Esfregou as mãos e pensou que iam esfarelar-se até todo o corpo quebrar-se em cacos, em poeira. Sentiu-se sendo terra, sendo o pó da terra, porque era seco, tão seco que podia imaginar-se rachando. Sim, era toda a sequidão da humanidade. E era ele, homem, inacabado, imperfeito, amargo, inconstante, impuro. Sentia-se ímpio, sentia-se transgressor, somente por ser homem já se fazia iníquo. Homem. Homem. HOMEM! Gritou. Gritou com todo o fôlego que permitiam seus pulmões humanos. E riu. Riu um riso que encheu todo o prédio. Gargalhou. Uma gargalhada que não acabava mais. Riso gostoso que enchia a alma e limpava o ser, tão humano. Oh, Deus, humano. E voou. Inflou o peito, farfalhou as asas e voou como um anjo, como um anjo que já foi homem. E a humanidade toda, aquela humanidade tão pleonasticamente humana, ouviu as gargalhadas daquele ser outrora, ou ainda, humano. E ria ainda, ria e soluçava entre lágrimas de sentir um não sei o quê tão incognoscível e tão humano, quando ergueu as mãos trêmulas e fechou a janela. E só sabia gargalhar, porque conscientemente existia, mas não mais era, porque Deus o tomara para si.

9 comentários:

Ciro disse...

Sem palavras, Rosana!! Assim como os outros, uma bela estréia! Uma mistura de conto com poema, com jogo de palavras (pelo menos é assim q vi esse texto)... muito bom mesmo!!

E viva o Boneco Verde (até que Deus o tome para si!)

Bruno Carvalho disse...

Profundo hein!! Adorei o modo que você se utiliza das palavras! Muito bom!!! Parabéns!

Anônimo disse...

E assim o homem busca a perfeição.
Chega a ser belo o "ser homem", com suas imperfeições. Se perfeito fosse a graça da existencia e a procura da perfeição não seria uma busca continua. E não seria tão bom tropeçar e levantar mais forte q nunca.

Belo texto Rosana, nos faz pensar com nossas palavras e ententer o nosso sentido, usando o seu!
Parabens

Rosana Agreli Melo disse...

É... Na verdade o conto não faz muito sentido, mas o importante é dizer coisa nenhuma com palavras que nem a gente entende, ou seja, viva a embromation!

Flavio Carvalho disse...

Beleza Rosana,

muito bom mesmo, parabéns!

Sessyllya ayllysseS disse...

Uau!!! Se isso é embromation, viva a embromation!!!
Parece q vc conseguiu dizer td o q sinto em palavras q nunca encontrei... Muito bom!!!
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Putz, q profundo!!! Adorei, Rosana!!! Bjos!!!

Fernandha Zechinatto disse...

Amei Rosana!!! Sabe aquela sensação de: " por que eu não escrevi isso???" você conseguiu despertar em mim!!! PARABÉNS! Texto profundo e raso... tudo e nada... simplismente humano!

Felipe Carvalho disse...

Caraca! Muito bom, minha amiga!
Essa coisa humana é mesmo nojenta! Condordo plenamente!
Mas um dia a GENTE chega lá (e deixa de ser gente, pq gente é HOMEM e homem é HUMANO e a humanidade é um câncer...) Enfim, ótima estréia! Parabéns :)