terça-feira, 21 de novembro de 2006

Ernesto, o desempregado por opção...

(Por Bruno Carvalho)

Hoje é segunda-feira, e são duas da tarde. Acordei mais cedo para contemplar a mais bela paisagem de todas: “A sociedade”. Se por acaso precisarem de um conselho, sigam este: Seja um desempregado. Sério, não é brincadeira. Qualquer um consegue viver uns dois ou três meses sem dinheiro! Depois vem a honra, que se suja a cada instante, mas isso é psicológico, acreditem, isso é meramente psicológico.
Há tempos fui como vocês, cidadãos honrados, determinados, responsáveis e tudo mais. Certo dia eu não quis acordar, e daí em diante meu caro, minha vida é outra. É claro, no começo foi um pouco difícil, cheguei a procurar um modo de esfriar a cabeça, sabem, caminhar, procurar outro emprego e coisas do gênero. Após tristes (que hoje são felizes) desilusões, me encontro nesse estado: A sublime essência do ser.
Visto uma roupa qualquer, não importa, pois não devo satisfações a ninguém, devo dinheiro, mas isso não vem ao caso. Vou ao centro da cidade, me sento em um banco de praça e assisto meu programa favorito: “A sociedade”. Aquele senhor parece estar bem apressado com aquela maleta, ops, o office boy não vai chegar a tempo de pagar a conta no banco, como aquela senhora é amarga, foi só um esbarrão, parece que aquela moça vai se consultar, corre para lá, corre para cá... ahahahahhahaahahah! Eu nunca enjôo disso! Penso em como eu era tolo, como eu era egoísta, como só pensava em mim mesmo. Depois de um certo tempo “não gerando renda” passamos a ver o lado dos outros. “Tenho que visitar o fulano às duas, por que ele trabalha às três, o Beltrano não gosta de visitas à meia-noite, por que ele trabalha cedo, de manhã nem pense em visitar o ciclano, pois ele adora dormir até tarde”. Afinal, temos todo o tempo do mundo, e pensar nos outros torna-se algo primordial para nós.
Confesso que no começo era esquisito, você visitava uma casa e todos de lá estavam em atividade: A criança tinha que ir para a escola, a mãe e o pai teriam que ir ao trabalho e tudo mais, e você lá, só observando. Depois de um certo tempo (e treino) você aprende a chegar e sair na hora certa sem incomodar ninguém. Por exemplo, o vizinho aqui do lado: adora companhia para assistir os jogos do Palmeiras em sua casa. Não gosto de futebol, muito menos do Palmeiras, mas como ganho comida e cerveja de graça não tenho mais o que reclamar, estou à toa mesmo!
Todas às quartas, às duas horas da tarde, o supermercado aqui perto joga fora alguns pães de forma já vencidos, verduras e frutas. Digamos que esse é o único dia da semana que faço alguma coisa. Aprendi a coletar esses alimentos com uma habilidade surpreendente a ponto de conseguir alimentos para a semana toda. De vez em quando um funcionário me ajuda (eu menti que sou voluntário de uma instituição de caridade), o que facilita demais meu “trabalho”. Aí vocês me perguntam: Como ele paga a conta de luz, água etc. Eu lhes digo que o Fundo de garantia é essencial nesses momentos, para isso é necessário trabalhar por mais de quatro meses em uma empresa, daí você sai e recebe a bolada. Essa é a parte mais complicada do negócio, mas isso vem depois de você sujar o seu nome, estourar todas as visitas no horário de almoço na casa de amigos e parentes, gastar o seu cartão de crédito por completo, acabar o dinheiro do empréstimo que você fez no banco etc, etc, etc. Esta é a diferença entre um desempregado por opção e um mendigo. O mendigo dorme na rua, não tem grana para nada e tem que pedir esmolas para sobreviver. Já o desempregado por opção tem a sua “quase independência”, tem o conforto de casa e sabe lhe dar com as situações mais controversas. Em minha opinião, o mendigo é mais digno. Porém, não estamos discutindo sobre dignidade e sim sobre livre-arbítrio, opção de vida.
Ahá, você achou que a vida de um desempregado era fácil não? Realmente é, mas para um desempregado que não quer ser desempregado. Para um desempregado por opção, assim como eu, é necessário ter essa perspicácia para fazer render o dinheiro e claro, ter uma mente aberta. Não é para qualquer um. É como ter que escolher uma profissão, decidir sobre os prós e os contras. Nessa vida não se tem roupa da moda, carros do ano e vícios bobos. Mas não é raro encontrarmos um trabalhador brasileiro com esses quesitos? É o que sempre digo meu amigo, é preciso saber em que terreno irá pisar. Viver sem a precisão de um tênis novo para sair no final de semana pode ser algo positivo para você, pois tudo o que tem e o que pensa é fruto de um pensamento social e nada mais.
Será que existem outros com eu? Será que já tiveram essa idéia antes? Bom, chega de filosofia barata, já está na hora de ir. Talvez alguém jogou fora o jornal de hoje na lixeira da praça. Preciso saber o que acontece no mundo, se bem que saber ou não saber de algo já não é tão importante. Chega de “Quem mexeu no meu queijo”, chega de psicologias para se entrar em uma empresa, chega de “Sim senhor” e “Não senhor”, pois agora sou “quase autônomo”, tenho um lar e não trabalho. Minha única preocupação é saber qual filme que passará no Corujão. Quero ter uma noite agradável, fechar os olhos e não pensar no dia seguinte, pois sou Ernesto, o desempregado por opção.

5 comentários:

Carlos Filho disse...

Uma vida meio Sr Madruga de ser!
hahahaha
Vagabundagem positiva, este é o lema. Não fazendo o mal, por sinal está fazendo o bem, com um mundo tão sem recurso que alias não VAi se tornar, pode colocar a parada no presente mesmo "Que está se tornando"! e ai vai, entende?

Anônimo disse...

É isso aí... Quem disse que naum pode haver a melhor profissão do mundo? "desempregado"... Mais uma vez a grandeza BRUNÔNICA colocando a realidade da maneira mais positiva e mais criativa!!!

Ciro disse...

Interessante esse outro modo de ver as coisas. Creio que há um "Ernesto" dentro de cada um de nós. Mas a maioria, ou não quer aceitar, ou não vê mesmo.
Concordo com o Reginaldo!
Grande abraço!

Felipe Carvalho disse...

"Ernesto's Way of Life" é o que há! hahahahahaha
Muito bom isso!
Parabéns!

Sessyllya ayllysseS disse...

Incrível, Bruno, já disse q não conhecia esse seu lado d escritor-muito-bom-mesmo??? Putz, o Ernesto me mostrou um novo mundo, mudou minha vida, séio mesmo... "É uma questão psicológica", "não estamos falando de dignidade", "fruto de um pensamento social"... Perfeito!!!

Parabéns!!! Bjos!!!