207 amigos

por Felipe Carvalho

Dois irmãozinhos caminhavam rumo à padaria. O pai deles havia pedido alguns pães para o café da tarde. A irmãzinha se esforçava para acompanhar os passos do irmão que tinha pernas bem maiores que as dela. No meio do caminho, a irmãzinha pára bruscamente e se põe a chorar envergonhada, enquanto soluça pelo nome do irmão. Écker caminha mais alguns passos e nota que a pequena não está mais por ali. Volta-se de imediato e corre a fim de assistir à irmãzinha em seu drama: “O que foi, Lupita?”, perguntou preocupado o irmão mais velho. A pequena criança lhe abraçou por alguns instantes. Em seguida, a garotinha se afastou e confessou ao irmão que se sentia preterida pelas coleguinhas da escola, as quais nunca a chamavam para as brincadeiras e estavam sempre entretidas com seus brinquedos caros ou alienadas no msn em suas casas. Écker, comovido com a tragédia pessoal da irmã, pediu que ela se sentasse no banco e ouvisse atentamente ao que ele iria lhe contar. E ele começou:

“Estou conectado a 35,568,067 pessoas através de 207 amigos. Caramba! Eu tenho 207 amigos, maninha! Devo ser um jovem muito afortunado mesmo!

Então vamos pensar numa sexta-feira à noite, e eu louco para sair, com meus hormônios pululando! Daí me ocorre aquela dúvida fatal: Quem chamar? Putz! Que pergunta mais cretina, você não acha, Pita? Um rapaz com 207 “contatos” virtuais... Como pode lhe faltar companhia para uma sexta-feira promissora?! Será que isso procede mesmo? Deixe-me ver aqui, Lupita. Talvez você possa me ajudar, caso eu ignore alguma possibilidade:

Poderia chamar o 122... Ah, não, esqueci-me que ele não bebe e não tolera ver ninguém alcoolizado. Então talvez a 361. Que nada! Ela está namorando e só faz programas com o seu parceiro. De repente o 205. Ih, nem rola, o cidadão não come carne, não bebe, não tolera música de espécie alguma e não faz nada que transija qualquer ensinamento do pastor de sua igreja... Por que não a 135, que sempre foi tão “de boa”? Difícil... Seria necessário um radar da SWAT para rastreá-la num fim de semana... Vou tentar o 333. Espere um minuto que vou dar um telefonema... (passados 57 segundos) Oh, loco, meu! Ele já está abarrotado de atividades para hoje! Como alguém consegue arrumar tantos programas para uma sexta-feira? Assim não sobra espaço pra ninguém mesmo! Talvez o 243 e o 189 topem... Iche! Mas eles são amigos do 122 que provavelmente ficará super enciumado se souber que saímos juntos! Droga! Ah – agora é certeiro, minha última tentativa – esse cara nunca deu mancada comigo, ele sim está realmente aberto para o que está acontecendo, para a vida! Vou tent...Hum! Esqueci! O fdp se mudou para outro estado faz um mês! Aff... Está deveras impossível encontrar companhia para um programa recreativo, não acha irmãzinha? “É....”, replicou a pequena.

Tá vendo só, Pita? Aí, quando acontece isso, eu páro e reflito! Restam-me duas opções: fazer como você, começar a chorar e a lamentar-se pela indiferença, individualismo, neurose ou – por que não? – “melhores opções” das outras pessoas, ou... sair sozinho, beber o que quiser, comer o que desejar ou quem desejar (ops!), voltar à hora que bem entender e procurar por companhia!!! É isso!

Cada vez mais as pessoas estão inacessíveis! Fecham-se e cerceiam as novas possibilidades que se abrem. Limitam-se em absoluto! Compram as suas “verdades” prontas e nunca mais voltam a questioná-las! Potencializam a sua solidão! Vestem carapuças e assumem papéis altamente aprisionadores e repelentes!

“Chegaaaaa!!!!” gritou Lupita! “O seu discurso é muito belo e coeso, mas sinto que lhe falta um teor de praticidade e aplicabilidade naquilo que diz... Em outras palavras, Écker, pra mim você continua um carentão frustrado!”

“Okey! Vou pôr isso em prática agora, então! Que tal um sorvete só nós dois, escondido do papai? Ou você prefere pinga?! hahahahahahha Pode deixar que eu pago!”