sábado, 6 de janeiro de 2007

Charla burlesca

por Felipe Carvalho


Paolo sempre soubera aproveitar a vida (à sua maneira)! Para ele era tudo ou nada, oito ou oitenta, ame-o ou o odeie! Aquele rapaz vivia intensamente, estava sempre à flor da pele! De teatro em teatro, de balada em balada, de bar em bar, de mesa em mesa, Paolo procurava respostas... Talvez nem ele soubesse ao que essas respostas de fato responderiam, mas ele tinha que buscá-las! Era um sujeito demasiado inquieto e criativo para se acomodar no vão palavrório insubstancial e de fala ambígua de seus amigos “convencionais”. Paolo queria mais, muito mais da vida! Talvez ele não soubesse procurar direito, quiçá estivesse num caminho escuso e sem voltas, no entanto ele estava buscando, e isso já o punha à frente de muitos!

Sentado num banco sem encosto e anestesiado pelo som do violino, Paolo imaginava diferentes formas no fundo de sua taça de vinho. E enquanto refletia sobre suas aflições mais aflitivas e seus dramas mais dramáticos, uma voz o interrompeu:

_ Paolo, meu querido, o que te irrita nessa vida? – perguntou um anônimo.

Paolo era tão cativante e popular na vida boêmia que não estranhou o fato de não se “recordar” daquele senhor que o abordara no botequim.

_ Olha, tio, para ser sincero, não são muitas coisas, não! Eu fico meio angustiado quando não consigo economizar meu salário e me permitir algum divertimento durante o mês. Às vezes, fico muito entediado com a conversa dos meus familiares à mesa! Os temas são recorrentes e a abordagem é quase sempre superficial! Também não gosto de cu doce... E não gosto que façam essa cara de cu toda vez que eu falo cu, como o senhor acaba de fazer!

_ Calma, jovem, não estou habituado a tanta franqueza e...

_ Posso imaginar! Você, embora eu não o conheça, deve ser daqueles que põem um pedaço de carvão no rabo e depois expelem um diamante, tamanha a tensão e o nervosismo em que vivem! Aposto que tem um empreguinho burocrático e vem aqui se refugiar... No entanto, não sabe separar os mundos! É um cabeça quente, alopradinho!

_ Olha aqui, seu playboyzinho raso e fútil, até então eu era tão somente um Anônimo que lhe dirigiu uma reles pergunta. Não tente fazer disso um palanque eleitoral! Não conseguirá me tirar do sério! Sua versúcia não funciona comigo...

_ Foi mal aí, fera! Como te disse, sou meio implicado com caras recalcados como... Ops! Eu só queria que as pessoas relaxassem mais, soltassem o freio de mão, entende? Mas voltando à sua pergunta, eu também fico muito puto quando o garçom traz a cerveja, a põe sobre a mesa e vaza dali sem servir o meu copo! Isso me mata! Se eu estou num boteco, quero ser servido, bem servido! Estou pagando por isso, não é nenhum favor...

_ Realmente suas preocupações são de esfera federal... Vejo que o dinheiro é vital para você, jovem...

_ Sim, ele o é! No entanto, isso não se aplica somente a mim, senão a você e a todos os subjugados pelo modelo capitalista! Mas acredito que a discussão em pauta não seja geopolítica, estou certo? Ah, e dispenso suas ironias!

_ Sim, jovem... Mas me responda, até quando perdurará seu deslumbramento ante a vida? Ou acredita-se capaz de manter essa fantasia para sempre?

_ Fantasia? Sempre? O que é sempre para o senhor, tiozão? Ontem eu estava rodeado de gente culta e bela! Ria freneticamente e nunca me sentira tão pleno e coerente. Se você – calma, tio, não estou me referindo ao senhor; também se usa a terceira pessoa do singular como um modo impessoal de se argumentar. Pois bem, se você opta por viver manietado ante as possibilidades que se descortinam constantemente e se fecha no cárcere da mágoa e da auto-referência, nada posso fazer para ajudá-lo... Não queira me obrigar a ter uma vidinha pão com ovo... Aliás, me desculpe por não ter lhe oferecido vinho... E quanto à fantasia... Puta merda, cadê o cara?

Paolo resolveu parar com o vinho por aqueles dias.

9 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito Felipe, principalmente de umas partes que me tocaram mais, como:
"deve ser daqueles que põem um pedaço de carvão no rabo e depois expelem um diamante"...hahaha e "Às vezes, fico muito entediado com a conversa dos meus familiares à mesa". Acho que esses dois trechos não me são estranhos!
Ah, e o melhor dos seus textos são, que definitivamente, um não tem nada a ver com o outro!
Grande Beijo

Bruno Carvalho disse...

Charla burlesca! Que título massa cara!!! Nem precisava de história!! E por falar em história, você nem precisava de escrever uma história boa, pois aquela última foi fantástica, mas escreveu. No entanto, eu mais uma vez lhe digo, parabéns!!! Muito bom!!

Valeu!

Carlos Filho disse...

Felipe, achei que o tiozão ia dar uma puta lição de moral no loque, ledo engano! hehehehehe
Muito bom o texto, principalmente lido com um dicionario ao lado...hahahahahaha

Abraços!

Ciro disse...

Hahahahahha!! Boa Carlim! Tá cheio de palavras aqui que carecem de um dicionário ao poder das mãos! Iche! Estou falando igual vc, Felipe! Heheheheh!!
Muito bom o texto. Aliás, vc está se revelando um excelentíssimo escritor com esses diálogos e esses impagáveis "jogos de palavras". Soa até meio poético, meio "Quentin Tarantino"... sei lá! Vc está inventando um estilo só seu e isso é deveras digno de congratulações.
"E enquanto refletia sobre suas aflições mais aflitivas e seus dramas mais dramáticos"... isso me soa familiar...
Grande abraço!

Anônimo disse...

Legal, Felipe! Foi você quem pintou esse quadro aí? Ficou bonito. Eu não dou conta de fazer igual.

Viviane disse...

Gostei. Estou rindo até agora! Temento pseudo-intelectual esse seu personagem. Pior é que existe gente assim.

Sessyllya ayllysseS disse...

Muito ótimo texto, Felipe!!! Adoro essas filosofias de boteco que podem ser aproveitadas na vida cotidiana. O que acho mais interessante é justamente essa busca desesperada por algo que não se sabe bem o que é e que só quem está buscando sabe o quanto é angustiante. Legal mesmo!!! Cada vez melhor!!!

Bjão!!!

Anônimo disse...

_ Paolo, meu querido, o que te irrita nessa vida? – perguntou um anônimo.

viram?

puxei assunto

Flavio Carvalho disse...

caraca, muito bom o texto.