quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Ápice

Não, o relógio não parara. Os ponteiros, alheios, prosseguiam. Sentia uma dor latejante que quase lhe tirava os sentidos, embora soubesse que não devia fechar os olhos. O sangue, quente, enxarcava-lhe as vestes e os cabelos. Os ponteiros marcavam 8h15, e o sol ainda insistia em derramar luz pela janela... Aquele clima maluco! Ouvia os carros passando, pessoas conversando no apartamento de cima. Nada acontecera. E a vida se ia, sem que ninguém percebesse. Tentou levantar-se, não pôde. Arrastou-se, lentamente, sofregamente, a respiração lhe era penosa. A porta, talvez por piedade, ou quem sabe descuido, fora deixada aberta. Alcançou o elevador. E o sangue tingiu o piso claro, e manchou o painel. Outros, lá em cima, esperavam o mesmo elevador. Sairiam para jantar, possivelmente. Nada acontecera. Queria chorar, mas não conseguia, as lágrimas fugiam. Atingiu o térreo e cambaleou, maculou as paredes brancas com rubras digitais. Do outro lado da rua, alguém passou a assoviar algo. Nada acontecera. A vida, em si, era um fio a romper-se, não podia mais. Morreu no hall. E, no último andar, a festa prosseguia e enchia o saguão de música. Nada acontecera.

5 comentários:

Anônimo disse...

Você é nova aqui?

Anônimo disse...

Muito legal. Mas o q é 'hall'? É aquela balinha ardida?
Não entendi...

Bruno Carvalho disse...

Muito triste essa história Rosana. Dmonstra que alguém está muito triste pelo que acontece consigo mesma. curta, direta, como em um filme francês, mas não deixa de ser triste!
Muito boa, cham a atenção, mas não deixa de ser trisre!

Valeu!

Fernandha Zechinatto disse...

Gostei!
Me atiçou a curiosade... o que o feriu, pq teve que morrer? O que levou a esse derradeiro final???
Parabéns. Adoro seus textos.

Sessyllya ayllysseS disse...

Olá, Rosana!!! Como vai???

Como sempre, você mostrou "em poucas e eficientes palavras" o lado mais profundo do personagem. Concordo com o Bruno que o texto é triste, assim como a situação do cara é triste.

Sei não, pode ser que eu tenha algo de Miguel, mas pra mim o personagem tentou se matar e não conseguiu do jeito que planejou... E isso é maravilhoso, pois confirma a relativa aleatoridade da vida...

Muitíssimos parabéns e bjos!!!