sábado, 3 de fevereiro de 2007

Diário de um Ordinário

por Felipe Carvalho

E ele partiu. Com a mala repleta de sonhos e os bolsos cheios de boas intenções, ele partiu. Partiu o coração de sua família, partiu o sorriso do rosto dos amigos e se partiu em vários pedaços com vontades distintas. Ele quis partir, quis ficar, quis não querer, quis se partir ao meio e acabou partindo dali.

À medida que se adaptava ao novo papel e ensaiava as falas de seu mais novo personagem, punha em cheque tudo o que houvera vivido até então. Questionava seus valores, seus temores e até mesmo seus amores. Sentia a pele pinicar, o estômago embrulhar e sua voz embargar sempre que o telefone tocava. Então ele se debatia, sofria e cinicamente aplaudia sua doentia encenação!

Começara tudo: trabalho, estudos, distância, vazio, dor... E logo recomeçava: impotência, ausência, medo, dúvida, culpa... E assim lhe iam escapando os dias sem que ele pudesse evitar.

Estava prestes a apertar o play novamente e retomar o seu monólogo ensurdecido quando decidiu, por fim, pôr um fim àquela agonia e trocar o disco em questão. Por horas buscou em sua estante algum que lhe pudesse dar qualquer norte. Como não teve sorte e por não ser um cara propriamente forte, logo preferiu a morte! Aquelas narrativas que locupletavam suas prateleiras já não lhe diziam mais nada. Então, por alguns segundos parou e buscou nas histórias de terceiros e nas aventuras que viviam em seus quartos e nos quintos dos inferninhos algo de que se pudesse valer. E preferiu não ter pensado nisso!

Precisava de um roteiro seu, de uma peça que contasse a sua verdade! Então, num impactante ato de lirismo, arremessou longe livros, discos e filmes. E recolhendo-se num canto atrás da porta, começou baixinho e entre lágrimas a cantar uma música que jamais antes ouvira. Num dramático e musical crescendo, sentia sua voz se encorpar e ganhar uma corajosa entonação. Saiu então às ruas e manteve no timbre sua sincera melodia. Retribuía com sorrisos o deboche e o pasmo alheios. E, sozinho, seguia com seu cântico inopinado...

8 comentários:

Bruno Carvalho disse...

"Então ele se debatia, sofria e cinicamente aplaudia sua doentia encenação!"

Foi a parte que eu achei mais poética do texto...[

Ótimo texto Felipão! Espero que seu texto não tenha nenhuma semelhança com a vida real!
Grande abraço!

Anônimo disse...

Caraca! Seu texto consegue ser deliciosamente poético! Lindo!

Carlos Filho disse...

Bom, já que é moda colar partes do texto onde nos chamou mais a atenção, colo uma parte que achei muito bacana: "por horas buscou em sua estante algum que lhe pudesse dar qualquer norte. Como não teve sorte e por não ser um cara propriamente forte, logo preferiu a morte!"...demais Felipe.
E como o Bruno disse, espero que seja somente na escrita...
Tá cantando nas ruas ai Felipe??? hehehehehehe
Abração!

Anônimo disse...

auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

Ciro disse...

Eu tb tô nessa aí! Também vou colar uma parte que gostei do texto:
"quintos dos inferninhos". Hahahahhahahahah!!! Muuuuito boa!
Também vou colocar uma parte que não gostei do texto: "locupletável". Tenha dó, né? Aurélio na mão nem pensar!

Brincadeiras à parte, ficou bom mesmo. Bem poético como disse o pessoal. Também espero que não seja verdade.

Grande abraço! Saudades!

Sessyllya ayllysseS disse...

Como diria nosso amigo Maluco Joinha: "UAAAAAAAUUUUUUU!!!

Seu texto ficou perfeito, Felipe!!! Auto-biográfico ou não (rsrsrs), você conseguiu expressar de maneira impecável a angústia do personagem, que parece estar em crise diante da mudança que não pode mais esperar para fazer. E essa mudança não é só física, daí a angústia ser tão grande.

O incômodo que o personagem sente em relação à decepção da família e dos amigos mostra que ele está deixando muitas coisas pra trás, inclusive coisas mal-resolvidas, com os outros e com ele mesmo.

Já que todos colaram a parte de que mais gostaram, não vou fazer diferente:

"se partiu em vários pedaços com vontades distintas. Ele quis partir, quis ficar, quis não querer, quis se partir ao meio e acabou partindo dali."

Achei essa parte interessante porque é parecida com o que o personagem da minha última crônica fez. Só que o meu personagem não conseguiu se livrar de si mesmo, enquanto o seu parece ter conseguido se encontrar.

Adorei, cara!!! Pra mim, é o seu melhor texto no blog!!!

Muitíssimos parabéns!!! Bjim!!!

Anônimo disse...

Está cada mais vez mais difícil entender...

Felipe Carvalho disse...

Galera, muito obrigado pelos comentários de vocês!!!

Achei mto interessante isso de cada um ter gostado de uma parte diferente do texto! Que bom que as pessoas não são iguais! Mas saibam que todos vcs têm mto bom gosto, viu! Hahahahahahahahaha

Falando sério agora: Bruno, Carlim, Ciro e Cissa, a resposta é NÃO, esse texto não reflete em absoluto a minha vida particular, privada e sanitária... hehehehe Sério mesmo! Embora as coisas não estejam propriamente um "mar de rosas", eu apenas me aproveitei de uma situação vigente para "potencializar" certas ocorrencias e inserir outras mais.

E, Cecília, vc citou seu último texto e devo admitir que de fato ele me inspirou bastante a escrever sobre um alguém que foge de si ou q procura por algo q está longe e etc. Achei bastante oportuno falar dessas "buscas" ou "fugas" nesse começo de ano, com tantos caminhos e "possibilidades" em aberto... Legal tb isso de falarmos de coisas "semelhantes" mas com abordagens diferentes, ou nem tão diferentes...

Bem, é isso.

Estou com saudades de todos, aqui só tem gente boa! Adoro vcs (uma lágrima escorre nesse momento)
Bjo grande!