sábado, 24 de fevereiro de 2007

Uma doença alimenta a outra...

por Felipe Carvalho



_ Por favor, senhores, acalmem-se! Do contrário, não será possível dar seguimento à audiência! A ré tem a palavra:

_ Pois bem, meritíssimo, ele chegou ao CÚMULO de me beijar com os olhos abertos, vocês acreditam?
_ Protesto, meritíssimo! Se ela pôde notar que eu a beijava de olhos abertos é porque, evidentemente, os dela também estavam!

_ Protesto aceito! A esposa, digo, ré, pode continuar seu depoimento:

_ Nesses dois meses de casamento-tormento, esse infeliz jamais disse que me amava!
_ Claro! Eu não a amava mesmo! Ou você queria que eu mentisse?
_ SEU CRETINO, BASTARDO!!!

Paft! Paft! Paft! – bateu o juiz com o martelo.

_ É a última vez que solicito que controlem o tom e o vocabulário neste tribunal! O réu tem o direito de resposta.

_ Eu não a amava, meritíssimo, mas me empenhava em fazê-lo! No entanto, ela parecia fazer de tudo para desencorajar minhas tentativas! Certa feita, quando fomos nos deitar, ela teve a desfaçatez de vir me beijar e dizer: “Estou lhe devolvendo o amor que você nunca me deu!”
_ É? E você não vai contar ao júri o que me disse logo em seguida: “Então enfia esse amor no c*!”?
_ Você SEMPRE fazia com que eu me sentisse deslocado quando estava com as suas amigas!
_ E você sempre fazia questão de que nos nossos programas houvesse mais gente além de você e de mim! Você tinha sérias dificuldades em ficar a sós comigo! A não ser, é claro, quando era para....
_ Olha aqui, você é que sempre foi uma tremenda de uma arrogante, egoísta e insociável! Sua misantropa!
_ Ah, eu era a misantropa? Quem é que tinha terrível dificuldade em pechinchar qualquer ninharia que fosse numa loja? Vergonha, covardia? Quem é que parecia morrer de medo de sugerir que fosse dividido o valor da conta do bar entre os amigos? Mas não, o paçocão tinha que pagar tudo sozinho para ver se talvez assim as pessoas o amavam mais e o seu “egozinho” ridículo se inflava um pouco mais! Isso, sem falar na sua incapacidade de se impor ante o seu patrão e na sua total complacência com os caprichos da sua mãe!
_ Hahahahahaha!! Engraçado! Você sempre teceu tantos elogios à minha mãe! Como pôde ser tão cínica?!
_ Sem dúvida que sim! Para conseguir te manipular tão bem assim, realmente sua mãe é digna de muitos elogios! Aliás, por que você não volta logo para ela em vez de me fazer de mãe, hein, seu moleque imaturo?!
_ Você deve me achar muitíssimo imaturo mesmo! Afinal, tem um currículo imenso cheio de caras que poderiam ser seus pais, não é verdade? Acontece que eu ainda estou muito longe de freqüentar asilos!
_ Ah! Agora vem você falar dos meus ex? Quem é que não perde uma única oportunidade sequer de tocar no nome das “horizontais” com quem se envolveu, hein? Qualquer briguinha e você já começa a citar essas barraqueiras arranca-sutiã do seu passado!! Aliás, nem passado eu posso dizer que é....
_ Claro! Você me lembra o tempo todo da existência delas e faz questão de especular ao máximo sobre a vida de cada uma!
_ Agora sou eu a curiosa? Eu sou a manipuladora, então?
_ Você mesma parece estar percebendo isso...

Enquanto isso, a platéia fervilhava em comentários

_ Mas qual é a acusação?
_ “Falência múltipla do relacionamento com agravantes de adultério, calúnia e chantagem”!
_ Mas quem é que fez o quê?
_ Parece que os dois estão bastante “sujos” nessa história!
_ Que loucura! Um processando o outro! Nunca vi isso!
_ As mulheres são mesmo um poço sem fundo! Nunca estão satisfeitas com nada! Você dá, ajuda, faz e nunca está bom!
_ Que isso! Os homens é que são rasos como um pires! Não sabem conversar, querem fazer as coisas sempre com pressa e esganação! Tudo serve, de qualquer jeito está bom (por pior que esteja!). Não conseguem enxergar nada além do umbigo deles. Jamais nos ouvem...

E o casal central continuava a se digladiar
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_ Você é um moleque, sabia? Não dá um passo sem a minha ajuda! Se cair de quatro na grama, não levanta nunca mais, vai começar a pastar! Por que você não volta logo praquelas desfrutáveis, hã?!
_ Deveria mesmo! Pelo menos elas não eram tão verborrágicas e sufocantes como você!
_ Ah, não eram? Então por que não deu certo, hein chuchu? Será que alguma vez na vida você conseguirá responder a uma pergunta objetiva, seu boçal desprezível?
_ Boçal é o seu avô, sua doente, neurótica! VOCÊ É UMA SAFADA, SUA...

Paft! Paft! Paft! – novamente o juiz interveio com o martelo.

– Está impossível continuarmos desse modo! Entraremos em recesso e dentro de meia hora os senhores poderão retornar a essa sala para ouvir o pronunciamento da sentença! Enquanto isso, o júri “estará se reunindo” a fim de chegar a um veredicto.

Meia hora depois

Paft! Paft! Paft! – uma vez mais o som do martelinho trincando a mesa.

– Pois bem, senhores: Nosso corpo de jurados chegou a uma sentença com relação ao réu! O senhor Nicanor Néscio de Albuquerque irá cumprir 2 anos e meio de detenção em regime semi-aberto. Ele terá que prestar serviços à comunidade e fará trabalho voluntário na delegacia da mulher, no hospital infantil e no sanatório municipal, bem como freqüentará o curso de civismo da polícia local e participará ativamente dos grupos de auto-ajuda do governo que apóiam pessoas sociopatas, dependentes químicos, casais em terapia e indivíduos com distúrbios diversos da personalidade...
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_ Hahahahahahahaha!!! Está vendo só, seu asno? Viu só o que dá não saber valorizar o que tem? As mulheres são...

Paft! Paft! Paft!

_ CONTINUNANDO, POR FAVOR! A mesma penalidade será aplicada à sra. Flávia Plínia Prolixa!

Paft! Paft! Paft!

– Dou por encerrado esse julgamento!

10 comentários:

Anônimo disse...

Aeeeeeee Felipaoooo

boa essa crônica, colocou um casamento desgastado em algumas linhas com um casal brigando em um júri, genial.

Abraços

Bruno Carvalho disse...

Genial Felipin, genial!

Aposto que você deve ter demorado um tempão para escrever isso. A parte do juri, as discussões (todas elas de acordo com as discussões matrimoniais) e principalmente com o veredicto!
Começo, meio e fim!! Dá até peça de teatro éééééééeé´, tô entusiasmadin ahahahahhaahh!

Excelente cara! Parabéns!

Carlos Filho disse...

Gostei mesmo da separação feita por vc dos seus personagens ! Não parece ser a mesma pessoa, vc criou uma personalidade pra cada um, realmente são PERSONAGENS, cada uma com a sua...hehehe.
Parabéns Felipe.


PS:. Carlos ainda recorrendo ao bom e velho "Pai dos burros". Obrigado por essa oportunidade de aprendizado, mau caro!

Abraçooo!

Ciro disse...

"Verborrágicas". De todas as palavras novas nesse texto, essa com certeza é a que ficou martelando na minha cabeça. Q seria? Uma "hemorragia de palavras"? Hahhahahahaha!!!

Felipão, eu ia falar que esse texto é "genial", mas o pessoal aí de cima já usou essa palavra. Creio que fico foi FANTÁSTICO. Perfeito. Criativo. Engraçado. Ousado até, viu? E esses nomes então? Hahahahahha!!! Não sei que tipo de comentário vc gosta de ler, creio que críticas sobre o que faltou ou sobro no texto. Mas não faltou nem sobrou nada nesse aqui. Está perfeito mesmo. Vc está sendo um "achado".Acho q esse blog está sendo muito bom, uma vez que vem mostrando um Felipe que não conhecíamos. Aliás, acho que nem vc conhecia, hã? Ou será que estava "escondendo o leite" o tempo todo, hein Rafaelão? Continue assim. Está divino.
Como vc mesmo diria, esse vai pro meu TOP 20 FELIPE, disputando lugar com "Tudo de ruim", "Máscaras da Vida" e "A Marcha de Peres White".

Grande abraço e sinceras congratulações!

Anônimo disse...

Mas essa muilher aí é louquinha, né? rs.
Gostei, Felipe. Bem boladinho o seu textinho. bjinho.

Anônimo disse...

"Flávia Plínia"...

CACETAAAAAAADA!!!!!!!!!!!

Flavio Carvalho disse...

Loucura, loucura,

Muito massa!

Anônimo disse...

eu bem q tentei ler esse seu texto, mas as letras em negrito me deixaram meio tonto...

Sessyllya ayllysseS disse...

Ahahahahahahahahahahah!!!

Muito bom texto, Felipe!!! Concordo com o Ciro, parece que há um estilo literário bem diferente se construindo em você (ou por meio de você)... Um estilo cheio de um humor crítico e agradável de ler, que sempre nos leva a refletir sobre as relações cotidianas...

Super parabéns!!!

Viviane disse...

Caramba! Personagens neuroticos! rsrsr
O titulo tem tudo a ver com o texto. Realmente, ódio alimenta ódio, indiferença alimenta indifirença, assim como amor alimenta amor e tolerancia alimenta tolerancia.
Muito bom texto, muito engraçado. Tragicômico, eu diria.