- Você por aqui? Que surpresa!!!... Os olhos sim estavam surpreendidos pela presença inesperada de tal pessoa. Era alguém que há muito tempo se afastara da sua vida, e agora por razões desconhecidas fazia-se de novo presente em seu caminho. Olhava profundamente em seus olhos, seu rosto, seu corpo, procurando por uma explicação física, já que seu orgulho impedia de abrir a boca sobre o desaparecimento repentino e o seu retorno mais inesperado ainda.
Acostumara-se a viver só e, na verdade, preferia viver assim: temia que novamente o abandono se fizesse companheiro de jornada. Árdua jornada rumo a lugar nenhum. Sem sentido, sem esperança, sem a certeza de uma vida plena de felicidade. Eram assim os seus dias... Tinha sempre a impressão de viver pela metade, uma semivida morta, imprópria de ser semivivida.
Em sua cabeça, milhares de pensamentos atordoavam cada membro do seu corpo. Cada gesto, cada passo... Tudo era regrado. Havia um enorme medo de as coisas se modificarem caso os caminhos fossem alternados; caso a linha do seu destino apontasse para outro rumo.
E pensando adormeceu... Adormeceu e pensou... Adormeceu e se lembrou das horas de angústias vividas sem ter notícia do ente amado, ou ao menos querido. Temia que houvesse havido alguma morte e que tivessem lhe tirado aquela vida que sempre lhe pertencera. Jamais aceitaria, pois a morte estava aquém da sua vontade, dos seus desmandos, das suas forças. E não lhe parecia justo algo ou alguém ser mais forte que seu alter-ego. Ainda em dormição profunda, relembrava de todos os esforços inúteis de encontrar quem não queria ser encontrado. Odiava-se mesmo por isso. Odiava o mundo por isso.
Agora suas memórias traziam um tempo anterior, de pureza, de bondade, de felicidade extremada. Via com clareza o primeiro momento em que seus olhos se cruzaram com os olhos de outrem. Aí estava o começo do seu fim. Relembrou-se da primeira vez que seus lábios encostaram-se nos lábios de outrem e da primeira vez que o outrem era parte de si, formando um só corpo, uma só alma. Ao passar por estas recordações, em sua boca, observou-se um leve traço de sorriso. Que foi rapidamente transformado em marcas profundas de ira. Relembrava-se do desespero que sua vida se tornara e, não sofrendo suficientemente só, transformara a outra vida também em um inferno. Mesmo assim, jurava que era por amor... Ou, no mínimo, algum sentimento semelhante (ou não).
Sentia um certo orgulho em tudo o que um dia dissera. Nos punhos cerrados, nos insultos trocados, nos sonhos desfeitos, na destruição gradativa daquilo que um dia chamaram de vida conjugal.
Quando tal pessoa sumiu da sua vida, quase ficou triste...
Mas agora algo de inesperado acontecia dentro daquela sua vítima. Possuía uma força que há muito não via. Mas não viu por muito tempo, pois o pequeno punho logo habitou seu peito, deixando fluir o seu líquido vital, deixando uma grande chaga em seu coração.
5 comentários:
Reginaldo,
Ótimo texto como sempre!
Gostei do jogo de palavras para descrever os sentimentos da personagem. Uma felicidade fingida! Boa!
Abraços!
Gostei demais da metáfora do final! Muito bem construída! Você consegue analisar a parte mais íntima dos personagens, fazendo os que parecem mais fortes se revelarem os mais frágeis...
Ótimo texto!!! Parabéns!!! Beijos!!!
É, Bruno e Cissa têm razão. Ficou bem legal mesmo esse texto e nem precisou ser muito comprido nada. Na medida certa.
Como diria Robert De Niro em Máfia no Divã: "You... you're good, doctor! You're good!!" ("Você... você é bom, doutor! Você é bom!". Régis, não sei se vc é doutor ou se algum dia passou pela sua cabeça ser, mas o que vale é o sentido da frase.
Abraço!!
Muito bom Vassago,
belo texto,
Fiquei com medo de "outrem"... o que é isso? hehehehehe
Parabéns pela narração, amigo! Sou até suspeito para elogiar as metáforas, pois as adoro !!
Belo desfecho! Gostei muitão !!
;)
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