quarta-feira, 18 de julho de 2007

Sol absoluto

Um raio de sol atravessou todo o céu e veio refletir diretamente sobre os olhos do pequeno Santiago. Era um sol suave, que lhe trazia boas recordações, recordações de um tempo provavelmente nunca vivenciado. Mas era um tempo de ternura, de descobertas, de encontros e desencontros. Engraçado como aquele sol incidindo diretamente em seus olhos era a melhor lembrança que possuía. E sorria, e brincava e alegrava-se. Aquele era um tempo em que se podia sorrir, podia brincar, podia se alegrar. Tinha a sensação que aqueles eram anos eternos, que não passariam, e se passassem, de alguma forma ele não seria afetado. Doce ilusão...

Um sol mortificante se fazia habitar no meio do céu. Era um sol que queimava a pele, fazia arder os olhos, que dava àquele pedacinho de chão um ar saarático. Um lugar onde dificilmente se via algum tipo de vida, forando os enormes cactos, algumas vegetações rasteiras, um miúdo rebanho de cabras e outros tipos de animais que se destoavam da paisagem: pessoas; uma família inteira, a qual comportava um pai, uma mãe e toda a sua prole... Nesta prole incluía-se Santiago... O pequeno Santiago, que agora era um homem, um fruto da terra; alguém que, assim como os animais e a vegetação, era uma parte viva daquele quadro: uma extensão do inferno devido ao calor intenso.

Muito se passara desde a época em que os raios de sol faziam festa para Santiago. Era um ser que crescera em tamanho, em virtudes, em dor. Todos os seus sonhos se perderam no caminho. Não era mais que um nada em meio a outros nadas. O desejo de se evadir daquela terra, sumir daquele deserto, sempre se fazia presente, mas não tinha absoluta coragem de abandonar seu povo à própria sorte. Era o braço forte da casa, aquele que não fugia à luta, embora cansado. Era o mais castigado por aquele sol, pois ficava sob ele doze horas por dia.

Assim era a vida deste pobre filho da seca... Vida ingrata... Vivida a seco. Mas ele era um sonhador, embora tivesse deixado de sonhar. Nas raras vezes que se encontrava sob sombras, sonhava com água. Sonhava com o mar. Sonhava com as garotas no mar... Nunca houvera uma mulher em sua vida. E com elas ele sonhava.

Santiago não sabia o que era amar, nunca lera histórias de amor, nunca assistira a nenhum filme ou novela. Ele jamais se apaixonara... Alguns juravam que ele nunca vira uma garota, a não ser sua mãe e irmãs (não era a mesma coisa)... Mas ele trazia dentro de si tanta vontade, tanta verdade, tanta beleza, que era certeza de que qualquer uma, por ele, se apaixonaria. Ele, no entanto, não sabia disso. Ninguém nunca contou a ele. Então permanecia a se subjugar. Não contava aos outros os seus sonhos, os seus segredos, vivia consigo e o sol.

Renascia-lhe nas memórias um tempo em que o sol era amigo... Partilhara com ele, e somente com ele, todas as frustrações juvenis. Dera-lhe a oportunidade de ser seu confidente e amigo fiel. Custava a entender o motivo de hoje ele o castigar tanto, causando-lhe dores intermináveis. Sofria a dor de não ter mais em quem confiar. Pois sabia que amigos faziam sofrer, que amigos machucavam. Nunca imaginou que fosse tanta dor, tanto sofrimento, tanta angústia. Ainda queria partilhar o com o sol o desejo de amar. A dor por não amar. A solidão por não amar... E sofria.

Do alto, o sol só brilhava. Mais forte, mais quente, mais intenso. Tinha em Santiago um amigo. E sentia medo por Santiago. Por ser tão firme em seus propósitos, uma explicação: queria que Santiago descobrisse que a dor na pele era centenas de vezes menor que a dor do amor.

4 comentários:

Bruno Carvalho disse...

Uau caa! Que narrativa fantastica! E fantástico também é como ela prende a gente no texto, faz a gente se interessar pela personagem Santiago! Não vou mentir que senti bastante pena dele!
O final então! Divino cara!

Meus sinceros Parabéns!

Abraço!

Sessyllya ayllysseS disse...

Rê, esse texto é diferente de tudo o que já li escrito por você.

Diferente pela temática e pelo estilo, mas igual em profundidade e qualidade.

Santiago foi descrito de dentro para fora, o que é realmente original, visto que há características nele que ele mesmo desconhece.

Por outro lado, a personificação do sol no último parágrafo ficou fantástica! Ele virou amigo, confidente de Santiago, numa relação ambígua e absurda, porém fabulosamente bela!

Mas tudo isso eu já tinha falado "pessoalmente", né?! rsrsrs

Então, parabéns!!!
Bjos!!!

Felipe Carvalho disse...

Incrível, Reginaldo!!! Estou abobalhado aqui !! Assino embaixo do que o pessoal comentou !!

O final foi mesmo muito surpreendente !! Jamais parei para pensar que o Sol nos pudesse ensinar dessa forma, aplicar lições como as situações da vida fazem... E que lição difícil essa: a dor do amor! Um dia quem sabe eu também a aprenda (só espero que não por meio de queimaduras de 3º grau hehehehe)

Hoje sou mais notívago, porém acredito que ainda saiba absorver um pouco da magnitude solar. Ainda mais agora com a lição do Sol em Santiago...

Parabéns, fera !!

Flavio Carvalho disse...

Vassago,

ficou dez este texto,

só tenho de concordar com
nossos amigos acima,
e mais uma vez

parabéns!