Surto I

por Felipe Carvalho

(...) Calma, eu não quis ofender! Aliás, o que eu ganharia com isso? Se você me perguntar, eu irei lhe responder, não estamos num baile de máscaras! Direi que sua falta de autocrítica me torna uma pessoa melhor... Sua impassividade então, nem se fale, como tenho crescido com tudo isso! Tem sido uma experiência ultra-enriquecedora lidar com a diversidade humana. É, tenho aprendido com isso, aprendido a ser melhor, inclusive! Não estranhe as novas regras que tenho implementado, até porque elas só servem mesmo para mim. São mecanismos internos e eu adoro esses joguinhos mentais, fico muito engraçado jogando; uma pena que seja uma brincadeira solitária e não possa ser compartilhada.

Não adianta de nada ligar a TV agora, pôr música alta ou entrar no banho. Não dá para calar tantas idéias assim na marra. E nem quero, caramba! Já disseram que “a pior droga para se tomar é você mesmo quando está sozinho”, e eu concordo até certo ponto. Há limites para se encher de si, não acha? Você já se encheu de si? E de mim? Pois é... E tantas pessoas cruzando o meu caminho diariamente, tanta que gente que eu nunca vi e com quem poderia estar tendo conversas deliciosas, descobrindo n coisas, mas não, você, eu e todo o mundo parecemos formigas ligadas no piloto automático, andando como sonâmbulos das próprias vidas. E a gente se esbarra, se atropela, quase se derruba no chão, cruza olhares, depois nos ignoramos, viramos a cara e fingimos que não é conosco. E saímos dali arrependidos, chorando o “agora há pouco” imediato. Tá vendo só o que se perde, ou o que se pode perder? Vamos viver no limite do autismo, mas acompanhados! Ou, então, sejamos insuportáveis e nos perturbemos psicoticamente, que tal? Tudo para fugir do medo e da preguiça. E - por tabela - da culpa, sempre de botuca, velando nossos suicídios diários.

E somos ação sem teoria, teorias sem ação. Aliás, quem somos não deveria ser uma construção individual e de preferência lúcida? E você vem zombar das minhas alegrias? Vá à merda! - com todo o respeito. Estou de passagem, sei disso, mas pretendo aproveitar a viagem ao máximo! E isso também é tão relativo... Bom, enquanto você aguarda por um contexto emocional seguro para começar a agir, eu vou me segurando onde der, para não cair!

Você precisava ter visto a pergunta cretina que a psicóloga do R.H. me fez na entrevista para a vaga: “De que forma extraordinária você poderia contribuir para a nossa empresa?”. Nem pensei muito, respondi o que veio na hora e fui admitido. Era como se eu estivesse me apresentando a mim mesmo, sabe? Que doido é esse que eu não conhecia? – pensei. Mas valeu a pena! Sempre vale, né?

Vou ter que desligar, benzuca, o garçom tá aqui anotando o pedido – Querido, manda ver aquela diretamente do cu do pingüim! – Fique em paz aí, mais tarde eu ligo...