domingo, 25 de janeiro de 2009

Um Minuto

por Vaides Junior

“Era apenas mais um coitado que se suicidou...”

Foi com essas palavras que me deparei quando percebi o que tinha acontecido. Isso me deixou intrigado por alguns instantes. Onde já se viu alguém tirar tal conclusão de outra pessoa sem nem mesmo conhecê-la? Digo mais, aquele lá, estatelado no chão, por mais prepotente e egoísta que fosse, nunca teria coragem para dar cabo da vida de alguém, ainda mais a dele. Esse eu posso dizer que conhecia, ou pelo menos achava que sim. 

Bom, vamos voltar um pouco no tempo. Voltemos cerca de um minuto atrás, mais precisamente às 20h29 de ontem. Quando aquele jovem rapaz, cheio de vida e saúde, ainda respirava e ouvia as belas melodias que ecoavam de seu aparelho de som enquanto se lembrava das coisas vividas em sua vida até aquele instante. 

Está certo que não havia muitas coisas que se orgulhava de ter vivido, mas existia o lado bom também. Lembrava de seu cachorro lambendo sua cara pelas manhãs, acordando-o... Costumava achar isso nojento, mas naquele dia percebeu que era a primeira e talvez uma das raras alegrias de seus dias. Lembrava da água do chuveiro caindo em seus ombros, do cheiro do café quando passava pelo coador, o cheiro do pão fresquinho, até do trânsito caótico até seu trabalho, seu dia atrás de um computador até voltar pra casa no fim do dia e ficar ali em frente ao computador para viver sua vida virtual, afinal, como disse, ele nunca tinha reparado em sua vida real e por isso achava que os únicos amigos, únicos interesses e até único amor fossem aqueles dentro da tela de LCD.

É duro cair na real. Saber que você é muito mais do que um mundo fantasioso inventado por si mesmo. Nesse momento existem pessoas que não agüentam o baque. Esse poderia ter sido o desfecho desse jovem, mas não. Em vez disso, resolveu dar um basta em sua vida medíocre. Mas não pensou em se matar, não. Resolveu tentar recuperar todo o tempo perdido nesses últimos vinte e poucos anos de vida, afinal, ainda era jovem, “toda uma vida pela frente”, é o que todos dizem, não é mesmo?! Quis começar ligando para seus pais para dizer que os amava, mas só caía na secretária eletrônica. Tentou falar com sua ex-namorada e dizer que tudo era sua culpa e pedir desculpas por não estar lá sempre que ela precisava, mas também não teve sucesso. Então foi ao seu mais leal amigo, seu labrador, que estava olhando pela janela, lugar onde ele nunca ia. Resolveu ver o que tanto seu cão olhava, e viu. Viu uma rua iluminada, carros indo e vindo, viu a vida que nunca tinha sequer imaginado que existia. Pessoas na praça, casais de namorados andando de mãos dadas, crianças brincando... De cima do 7º andar de seu prédio contemplou aquela felicidade única, uma noite de domingo, se sentiu como Narciso, admirado com seu reflexo, mas nesse caso era um reflexo que gostaria de ter vivido, um reflexo com ponta de inveja.

Ao ouvir a campainha tocar, se assustou, foi como acordar de um pesadelo, mesmo que tudo isso tenha se passado em pouco mais de um segundo, e ao se virar acabou se enrolando no fio do telefone e caindo na calçada de seu prédio. Estranhamente aquele jovem tinha um sorriso no rosto. Mesmo com uma poça de sangue em volta de si, aquela imagem tinha uma certa beleza. 

No seu apartamento a porta se abriu. Eram seus pais, ex-namorada e alguns colegas de trabalho, que resolveram fazer uma surpresa de aniversário. 

Foi aí que percebi as vozes ao meu lado e um rapaz dizendo: “Era apenas mais um coitado que se suicidou...”. Como disse, aquele jovem nunca teria coragem para dar cabo da vida de alguém, ainda mais a dele. Esse eu posso dizer que conhecia, ou pelo menos achava que sim, afinal era eu mesmo, mas acho que só há pouco mais de um minuto percebi isso.

3 comentários:

Bruno Carvalho disse...

Ô loco meu! Muito legal!
E eu achei que o cara tinha suicidado mesmo! Gostei também da parte em que ele, digamos, acorda para a vida!
Mas o começo (“Era apenas mais um coitado que se suicidou...”)
é o mais legal de todos!

Meus sinceros parabéns!

Abraço!

Ciro disse...

Excelente, Vavá! É o tipo de texto em que a gente fica imaginando como é que vai terminar, e acaba tendo um desfecho bem trágico, triste.
Talvez tenha acontecido porque, naquele momento em que ele ia consertar as coisas, é que a vida fez sentido, e a missão na Terra estava terminada. Hehehehhe!!

Baque forte!
Abraço!

Sessyllya ayllysseS disse...

Brilhante, Ju!
Apesar da morte trágica, ao menos ele "acordou" para a vida, como disse o Bruno... E nem foi "tarde demais", afinal, a morte física não é o fim... Talvez, no caso dele, seja o começo de uma nova vida...
Muito bom!!!
Parabéns!!!