segunda-feira, 15 de junho de 2009

Benjamildo, Totonha e a Montanha de Pirankul

Desabado por Ciro M. Costa

Parecia que todos os casais de namorados daquela cidade gostavam de namorar ao pé da Montanha de Pirankul. Não tinha nada de mais naquele lugar, mas ao mesmo tempo os casais se sentiam mais apaixonados quando estavam ali. Talvez se sentissem mesmo, ou talvez só se sentissem melhor estando ali porque ninguém os incomodava.
Mas a Montanha de Pirankul, essa sim era sempre incomodada. Isso porque muitos deles gostavam de escrever seus nomes nela com um pedaço de pedra, tirar fotos sem sua permissão, brincar de pique esconde... alguns até gostavam de discutir sua relação em sua fenda. Sim, a Montanha de Pirankul tinha uma fenda, onde os casais gostavam de se sentar. Alguns diziam que um dia a montanha não agüentaria e desabaria, tampando aquela fenda. Mas ninguém acreditava nisso, assim como ninguém acredita no que não quer.
Certo dia, Benjamildo e Totonha estavam lá, sentadinhos na fenda, comemorando seu aniversário de namoro.
- Benjamildo, quando vai me pedir em casamento? – perguntou Totonha.
- Calma, Totonha. A gente tem que se conhecer melhor primeiro. – disse Benjamildo.
- Conhecer melhor? A gente namora há 15 anos!! Pare de me enrolar!
- Não estou enrolando ninguém, minha queridinha. Essas coisas não são assim.
- Ah, é? E como são, então?
- São de outro jeito.
- Que outro jeito, Benjamildo?
- Um outro jeito aí.
- Qual?
- Um jeito bom.
- Aaaaah, Benjamildo! Tenha dó! Você está me enrolando mesmo! Meu pai já está ficando ‘butina’ da vida com nossa relação.
Algumas coisas acontecem nessa vida sem deixar explicação. É estranho, mas elas acontecem. Naquele momento, por exemplo, a Montanha de Pirankul começou a estremecer. Mais tarde, um historiador qualquer escreveria que a montanha já estava cheia de casais de namorados, e resolveu desabar naquele dia.
- Benjamildo, melhor a gente sair daqui! Parece que a montanha vai desabar! – disse Totonha, se afastando.
- Que nada, Totonha. – disse Benjamildo, sem se mexer. – Montanhas não desabam assim não.
- Benjamildo, por favor! Saia daí!
- Não saio, não saio, não saio! Hahahahah!!! Sua medrosa! – e Benjamildo se deitou na fenda.
- Benjamildo... NÃÃÃÃÃO!!!!
Então, parte da Montanha de Pirankul desabou.
RRRRRRRRUUUUUUMBBBLLLLLELEEEEEER!!!!!
Quando Benjamildo percebeu que a Montanha ia realmente cair, era tarde demais. Tentou sair, mas seu corpo ficara preso na montanha, com exceção de seu braço esquerdo.
- BENJAMILDO!!! – gritou Totonha novamente.
- Eu... eu... eu estou preso, Totonha!
- Oh, Meu Deus! Eu avisei pra você sair daí! – disse Totonha, segurando a mão de Benjamildo.
- Está escuro aqui dentro. Acho que vou ficar preso pra sempre.
- Não! Isso nunca! Eu vou chamar ajuda!
Totonha chamou toda a ajuda que pôde: polícia, bombeiros, resgate, garimpeiros, operadores de escavadeira, pai, mãe, tio, tia, sogro, sogra, primo, vizinhos... mas ninguém pôde ajudar Benjamildo. Sempre que alguém se aproximava dali, a Montanha de Pirankul estremecia, e ameaçava desabar mais ainda. Ela só não estremecia quando Totonha se aproximava. Um outro historiador diria que a montanha gostava de ver o sofrimento daquele casal.
Então todos desistiram. E embora Benjamildo tivesse sido notícia de jornais e programas de TV durante algumas semanas, todos se esqueceram dele.
Mas Totonha não se esqueceu. E muito menos desistiu. Durante todos aqueles meses, ficou sempre ao lado do braço esquerdo de Benjamildo, e sempre lhe levava água e comida. Benjamildo, por sua vez, havia superado sua claustrofobia e já estava até acostumado a ficar preso ali, embora a única coisa que pudesse ver era o rosto de Totonha por uma brecha.
- A gente deveria ter se casado, não é ‘Totô’? – disse ele, certo dia.
- Pare com isso, ‘Benji’. Aquele dia eu estava zangada. Não devia ter dito aquilo.
- Sabe, querida, estou aqui há tanto tempo que aprendi a conversar com Pirankul.
- Deixa de bobagem, Benji.
- É sério. Sabe, a montanha não é tão ruim assim.
- Mesmo?
- Sim. Ela até me disse como sair dessa situação.
- Ah, é? Como?
- Ela me disse que a única forma é me juntar a ela.
- Do que está falando, meu bem?
- A gente sempre ouve muitas histórias por aí, Totonha. Sempre tem alguém que se arrisca em uma gruta ou alguém que vai escalar uma montanha... sempre alguém desaparece pra sempre. Já percebeu isso?
- S-sim...
- A montanha me disse que todas as montanhas e picos do mundo precisam de uma alma. Por isso, elas escolhem a que melhor simpatizam, e roubam essa alma pra si. Então essas pessoas desaparecem, e nunca mais são vistas.
- D-do que está falando, Benjamildo? Pare com isso!
- É melhor você ir agora, Totonha. – dito isso, a montanha começou a estremecer.
- Benjamildo!! NÃO!!!
- Eu estarei sempre aqui, meu amor. Estarei vigiando você do alto. E sempre que você olhar pra montanha lá de baixo, poderá me ver também. Eu prometo.
- BENJAMILDO!!!
- Eu te amo, minha querida.
Então, a montanha estremeceu mais ainda, e Totonha saiu correndo. Estava triste, e ao mesmo tempo feliz. Triste, porque não veria mais o seu amor. Feliz, porque finalmente Benjamildo estava livre daquela prisão. Ele se tornara a prisão.
Os historiadores contam que se pode ver o rosto de Benjamildo na Montanha de Pirankul. Isso era o que Totonha dizia. Mas vai saber se é mesmo verdade. Nem todas as pessoas falam a verdade sempre, e ninguém pode garantir se os historiadores mantiveram a história como era.
Mas as pessoas gostam de acreditar no que querem, não é?

3 comentários:

Carlos Filho disse...

Profundimmmm!

Pietro disse...

Nota do leitor: esse texto não é nenhuma gozação às pessoas que ficam presas eternamente dentro de motanhas. Muito pelo contrário. Tal condição não é digna de gozações, e sim de solidariedade. Devemos nos unir mais e nos conscientizar de que elas precisam de nossa ajuda, pois muitas das vezes não conseguem voltar pra fora, e precisam se adaptar ao interior da mesma. Deus abençoe a todos!

Sessyllya ayllysseS disse...

"[..]finalmente Benjamildo estava livre daquela prisão. Ele se tornara a prisão."

Afffffff... Eu queria ter escrito isso, viu...

Adorei o texto, Ciro. Como sempre, com esse seu jeito de ser filósofo fingindo ser debochado, vc cria histórias simplesmente perfeitas!!!

Bjim!!!