sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma história sobre um fim

Escrito por Ciro M. Costa


O velho Alberto abriu a porta de sua velha casa e sentou-se no sofá. Olhou para o teto, depois para os móveis da sala, deu um suspiro profundo, e disse para si mesmo:
- É. Parece que esse é o fim.
Talvez fosse mesmo. Afinal de contas, já era viúvo há anos e seu único filho morrera aos 18 anos, vítima de um acidente de automóvel. Irmãos, primos, tios, cunhados... ou já estavam muito velhos e doentes, ou já haviam partido dessa para melhor. O último amigo vivo e saudável que lhe restara, Jonas, veio morar com ele aos 82 anos, quando ambos haviam acabado de ficar viúvos e resolveram morar juntos para cuidar um do outro em seu últimos dias.
Mas Alberto havia acabado de chegar do enterro de Jonas.
Uma situação tão óbvia e mesmo assim jamais passara por sua cabeça: e agora? Quem cuidaria dele? Como ele poderia imaginar que seria o último de dezenas de parentes e amigos? Talvez seja um pensamento interessante que passe pela mente da maioria das pessoas. Talvez já tenha passado pela mente também de Alberto... mas talvez ele tenha evitado. E agora estava ali, sentado, sozinho...
Era inevitável lembrar dos últimos momentos com seu amigo. Mesmo já idosos, gostavam de beber uma cerveja aos sábados e assistir ao programa do Silvio Santos no domingo à tarde. Durante a semana, saíam para olhar as garotas novas e jogar carteado com outros idosos no asilo. Com a aposentadoria, dava para viver tranquilamente (só apertava quando tinham que comprar a pilha de remédios que Alberto odiava).
Mas também era inevitável continuar se perguntando: “E agora?”.
Pensou que não daria conta sozinho. Estava com medo. E não tinha pra onde ou quem recorrer. Não havia mais o amigo do lado para desabafos ou para palavras tranqüilizadoras. Agora, era ele e ele. E nada mais.
- Por que não me levou junto, amigo? Por que? Não foi isso o que a gente combinou? Cuidar um do outro até o fim de nossos dias? Pois bem, ainda estou aqui, cara! Será que você só pensou em si mesmo? Hein, Jonas? Responda! Venha até aqui e responda! Venha até aqui!! Venha...
Alberto se debruçou na mesa e chorou. Por um momento ficou surpreso consigo mesmo, pois até então tinha se mantido forte, conformado. Ainda em vida, Jonas lhe dissera uma frase, e naquele momento Alberto imaginou-o ao seu lado, repetindo-a:
- Acho que só morre quem cumpriu sua missão ou aprende uma importante lição. Qual das duas acontecerá conosco, Alberto?
Alberto não quis saber. Queria morrer naquele momento, e deixar tudo aquilo para trás. Não tinha a mínima vontade de continuar a caminhada sozinho.

Mas sem escolha, Alberto continuou. Passou os meses seguintes sem dar um simples sorriso. Nem mesmo assistia mais à televisão e não comprara mais nenhuma lata de cerveja. Em certos momentos pensou em parar de tomar seus remédios, afim de encurtar sua vida. Mas ele bem sabia desde jovem que suicídio nunca fora a solução para nada. Estava velho, mas não tinha perdido ainda seu juízo, felizmente.
Uma bela tarde, andando pela rua, Alberto encontrou um cachorro da raça basset, deitado próximo a um poste. O animal parecia triste e desconsolado. Como sempre gostara de animais, Alberto agachou-se e lhe disse:
- Olá, rapaz! Você parece perdido, hã? Onde mora? O que foi que... ei, essa é ótima! Agora estou falando com animais? Devo estar realmente muito solitário, não é? Valha-me Deus!
Com muita dificuldade, Alberto levantou-se novamente e deu de cara com um cartaz pregado no poste: PROCURA-SE ESTE CÃO QUE ATENDE PELO NOME DE APOLLO. GRATIFICA-SE BEM.
Alberto não acreditou. O cachorro do cartaz era exatamente aquele que estava deitado aos seus pés.
- Mas isso é muita coincidência! Resolveu brincar com um velho solitário e sozinho, não é, Deus? Ou está me testando, hein? – perguntou, olhando para cima. – Pois bem, gostei do Seu teste! E ainda vou ganhar uns trocados, hã? O que acha?
Alberto pegou o cão pelo colo e foi até o endereço do cartaz.
O endereço era de um enorme casarão, em um bairro nobre daquela cidade. O velho pensou consigo que boa grana aqueles grã-finos dariam pelo animal e sorriu. Apertou a campanhia, e logo apareceu um rapaz:
- Boa, tarde. Em que posso... Meu Deus! Você encontrou o nosso Apollo!! Onde ele estava?
- Creio que você não acreditaria. – respondeu Alberto, entregando o cachorro.
- É ele mesmo! Seu danado, onde se meteu? Meu senhor, não imagina o quanto procuramos por ele! Minha triste filha está doente há dias desde seu sumiço! Já não sabia mais o que fazer!! Como posso lhe agradecer?
- Bem, eu...
- Oras, mas que pergunta a minha! Esqueci que prometi uma gratificação! O senhor merece um bom dinheiro por isso. Pode aguardar aqui até que eu preencha o cheque?
Alberto pensou por um minuto, e disse:
- Seria muito se eu pudesse entregar pessoalmente o cachorro para a garotinha?
- Mas é claro que não! Por favor, entre!
Quanto mais ia se adentrando ao casarão, mais Alberto via o quanto aquela família era rica. O rapaz o conduziu até um quarto, onde uma bela e pálida garotinha estava deitada. Qualquer um que a visse naquele estado, pensaria que a mesma possuía alguma doença terminal. “Tão nova, e já tão sem vida!”, pensou Alberto.
Ao ver Alberto com o cachorro no colo, a menina mudou repentinamente a fisionomia:
- Apollo!!! É você????
O cachorro saltou dos braços de Alberto e pulou na cama da pequena, que o abraçou fortemente. Lágrimas de felicidade escorreram dos olhos dela.
- Seu cão maluco! Por favor, não faça mais isso comigo, entendeu? Nunca mais!
O cachorro latiu, como se respondesse afirmativamente.
Alberto olhou a cena, emocionado. Mais uma vez estava surpreso, pois não sabia que havia ficado tão emotivo. Sempre fora muito ‘durão’ com essas coisas, mas ao ver aquilo, teve leve vontade de chorar (o que o deixou mais surpreso ainda). E a coisa ficou pior quando a menina se levantou (a palidez e tristeza haviam sumido de vez) e o abraçou, dizendo:
- Senhor, muito obrigada! Obrigada por trazer meu Apollo de volta!
- Eu... bem...de nada...
Minutos depois, lá estava Alberto, saindo da casa. O pai da menina o chamou de volta, para dar o cheque, mas Alberto disse:
- Já está pago, amigo! – e foi embora.
Então, o velho Alberto abriu a porta de sua velha casa e sentou-se no sofá. Olhou para o teto, depois para os móveis da sala, deu um suspiro profundo e... faleceu tranquilamente.
Jonas tinha razão. Aquele era realmente o fim.

3 comentários:

Sessyllya ayllysseS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno Carvalho disse...

Clap, clap, clap!

Magnífico irmão! Muito bom!

Meus sinceros parabéns!

Pietro disse...

Cachorros transmitem doenças, esta foi a lição!

uHAHUAHUAHUA

belo texto Ciro, muito bom mesmo!