quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Reis

Dizem que era, uma vez, um reino, um pequenino reino, no qual reinava, soberano, um também pequenino rei. Um rei possuidor de pequeninas vontades, que deviam ser sempre satisfeitas por seus não grandes súditos. E tantas vontades tinha e tanto lhe era feito que nada lhe faltava. E os cidadãozinhos do reino viviam convencidamente felizes, porque se submetiam ao rei e faziam suas vontades, e isso lhes dava paz.
Em um nada certo dia, resolveu o monarca percorrer seus domínios no lombo de seu real jumentinho, pois um cavalo seria por demais elevado para o seu limitado tamanho. E foram.
O rei, cabeça erguida, exibindo a coroa, passava pelas miseráveis casinhas de seu reino e se orgulhava. Tudo era seu. Passou por vales, por lagos, por pastagens, e tudo - lhe ocorreu - era seu. Até que se viu diante de uma bela árvore de aparentemente saborosos frutos, e resolveu deter-se por alguns momentos ali, a aliviar a fome e o cansaço.
Satisfeito o rei, subiu novamente no burrinho e pôs-se a admirar as paisagens. Só depois de alguns instantes é que veio a perceber que o burrinho nem sequer dera um passo. "Vamos", disse ao burrinho, já nervoso. "Não vou", respondeu o burro. E mais se assustou o rei com o fato de ser afrontado do que com o animal falar. "Vais aonde eu mandar" - ordenou o rei. "Faz-me rir" - disse o burro sorrindo e espantando uma libélula com o rabo. "Quem pensas que é para afrontar sua majestade?" "Um burro, certamente! Só mesmo um asno para recusar-se a obedecer aos demandos de vossa majestade por não ver neles propósito. És um déspota, isso sim. Eis que é o fim, não te levo mais no lombo." E o animal deitou-se sem cerimônias, fazendo os pezinhos do reduzido monarca tocarem o chão. E o rei mandou, desmandou, esperneou, e nada fez o burro sair do lugar.
E quando o reizinho, já humilhado e revoltado, não via solução para a situação, viu aproximar-se um camponês, que carregava nas costas um feixe de lenha.
O rei, mais que depressa, determinou que o homem soltasse a lenha e carregasse a si em suas costas. O homem, sorridente, estava prestes a obedecer, quando o burro disse: Ó, anta, ao invés de levares a topeirazinha, não preferes que eu leve a ti e ao feixe, e assim chegues mais rápido? O camponês, admirado da tão grande bondade do burro, e assombrado com o que o burro disse que faria, pôs-se a correr pelo reino e a proclamar os futuros feitos do grande asno. E eis que o burro foi feito rei, enquanto o antigo monarca pereceu sob o feixe de lenha que, impulsionado pela suprema alegria, o camponês deixou cair ao chão. E então o burro reinou. E submeteu os homens a mais pesados encargos e mais duras penas. E todos foram felizes por servir a um rei que um dia disse que faria e nunca fez.

6 comentários:

Ciro disse...

Rosana, gostei muito desse texto, principalmente pq tem animais falantes (eu adoro isso!), heheheheh!! Só boiei um pouco no final. Acho que tudo aconteceu rápido demais, hehehehe!!
Ficou também tipo uma crítica social! Muito bom!

Anônimo disse...

adorei o texto!!!
é realmente uma boa crítica!

parabéns! :)

Bruno Carvalho disse...

Concordo com os dois comentários acima! Deveras uma boa crítica!
Pelo menos foi isso que eu entendi!
Valeu Rô! Senti falta de vc!! Grande beijo!

Anônimo disse...

Ah, querida amiga... Saudade de vc, mas tou aki não pra falar de vc, mas do texto... Antes disso, quero avisá-la pra entrar no meu blog, reativado anos depois...
Seu texto é excelente, de uma construção ímpar e saborosa... Como sempre, vc arrasa!! grande abraço!

Sessyllya ayllysseS disse...

"Otimíssimo" texto, Rosana!!!Adorei!!! Esse asno não tem nada de burro e cada povo tem o governante q merece, né?! O mundo é e sempre vai ser dos espertos (rsrsrs).
Bjos pra vc!!!

Felipe Carvalho disse...

parabéns, Rosana! vc sim não perde a majestade!
bjão