quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Dia de Finados e a Morte do Self



Por Fernandha Zechinatto


Quantos mortos guiam os passos de nossa vida. Uns por remorso:
- Ah, poderia ter sido uma filha melhor, como dei preocupações ao meu pai que agora já não está entre nós!
Outros por saudade:
- Já se passaram quinze anos desde que minha avó morreu. Que saudade dos almoços de domingo, aquelas férias no quintal de terra e os quitutes deliciosos.
A verdade é que dedicamos tempo demais ao que já se foi. Com isso, o dia que já é curtíssimo para darmos conta de tudo a que nos propusemos realizar, fica ainda mais reduzido. E no dia seguinte lá vem mais lamúria do dia que se foi.
Hoje é dia de finados e com ele as lembranças dos mortos e a saudade do que foi um dia tomam uma dimensão ampliada e nos faz voltar a tempos longínquos que não voltam mais, mas que insistimos que volte.
Nada contra esse dia, nada contra a saudade, nada contra a nostalgia, aliás, eu sou uma grande nostálgica, meus olhos até marejam ao lembrar de fatos da minha vida, tento me lembrar sempre dos bons – mecanismo de defesa para evitar o sofrimento e reviver o prazer, o que Freud explica isso muito bem! O que me intriga e me indigna é o prazer de viver apenas o passado... E o hoje, e a vida que segue sem limites e prestes a nos entregar um grande presente?
Para seguirmos adiante com nossa vida, é importante deixar morrer algumas coisas dentro de nós que insiste em nos impedir o crescimento – apego, raiva, inveja, procrastinação, desinteresse, acomodação, amores, dores, flores secas, entulhos internos muito bem materializados, que se amontoam nos armários e ocupam espaços que poderia ser muito melhor aproveitados.
O negócio é que nossa cultura insiste em nos ensinar que morrer é ruim. Ninguém dos vivos pode afirmar isso com certeza absoluta, e os que se foram não voltaram ainda para nos falar como é realmente morrer, portanto não pode ser rotulado nem de bom nem de mau, é uma passagem, uma transformação, já que “na natureza nada se cria, tudo se transforma!”
Tenho uma leve idéia, que se pudéssemos nos ocupar mais do hoje, e vivêssemos os ciclos como um processo da natureza, teríamos mais serenidade para vivermos as perdas e mais facilidade para as faxinas internas, que são sempre necessárias, mas que se leva anos para iniciar, tudo porque não queremos perder aquela certeza absoluta que temos do para sempre.
Hoje, muito mais que visitar os mortos, devemos refletir sobre as mortes internas que nos recusamos viver, os bagulhos que acumulamos e nos inunda de inutilidades emocionais que nos bloqueiam e impedem que sigamos adiante, que vivamos o hoje, o presente.
Respeitemos as mortes materiais, do corpo, mas busquemos enterrar e deixar muito bem enterradas as mortes da mente, de um interior que acumula lixos emocionais e não consegue ver possibilidades e acabam morrendo em vida.

6 comentários:

Bruno Carvalho disse...

Ocupar-se mais do hoje...É o que sempre penso em fazer, mas ainda não dou conta.
Bela crônica Fernandha, entendi o recado!
Abraços!

Rosana Agreli Melo disse...

Linda crônica! Às vezes deixar morrer o espírito é pior que a morte do corpo. Que estejamos sempre vivos, e com os olhos no presente! Abraços.

Anônimo disse...

Muito bom!
Deixemos de lado a morte dos pensamentos sem causas que ocupam nosso tempo e exige nossa atenção em vão!
Apenas fecho meus olhos e lembro das lembranças boas dos entes q se foram, pois no tumulo está apenas pó!

Felipe Carvalho disse...

"apego, raiva, inveja, procrastinação, desinteresse, acomodação, amores, dores, flores secas, entulhos internos muito bem materializados"...
Vc quer fazer o favor de parar de me dissecar?? Assim eu fico sem graça! hahahahahahahaha
Ótima reflexão, Fer!
Infelizmente, ainda não aprendemos a lidar com nenhuma espécie de "morte", principalmente a do "self"...
parabéns :)

Flavio Carvalho disse...

Gostei muito do texto, concordo plenamente com a idéia, e idéias não morrem,


Boa Fernandha,

Sessyllya ayllysseS disse...

Texto super interessante... Mexeu comigo também, me disse umas verdades das quais sempre fujo... Mas não tenho toda a culpa, (olha o mecanismo de defesa aí) afinal, a sociedade nos ensina a cultuar os mortos, o passado... Basta observar as honras e respeitos que se prestam aos que fazem a "passagem", a maneira como o caráter das pessoas muda depois que elas morrem, assim como nossos sentimentos em relação a elas... Veja como nos comportamos em relação aos museus e cemitérios... Isso sem falar nas invocações que sempre são feitas aos "grandes heróis da humanidade", aos exemplos passados que somos induzidos a seguir. De qualquer forma, cada um pode fazer uma faxina dentro de si mesmo e jogar todo esse bagulho energético no incinerador. E é isso que o texto nos anima a fazer.
Parabéns, Fernandha!!!