Espelho

Por Felipe Carvalho

Veja só: este sou eu do outro lado!
Incólume, gélido, distante e calado.
Sinto uma lâmina atravessar minha face.
Não mais estou forte ou impenetrável: cai meu disfarce.

E ao passo que o sangue jorra de minhas maçãs,
Fico cínico, rio. Malditas são as idéias sãs!
- Ra Ra Ra! – seguro a faca que pinga a minha vergonha.
Regozijo, deliro, gozo e alimento a minha sanha.

Um choro infantil vem diluir meu sangue jovem.
Minha dura cara vê alento no selvagem.
As pessoas gritam, fogem, reagem à minha sorte.
Então me ocorre: é uma gente hipócrita por esporte!

Sinto asco desses rostos piedosos,
Expressões inexpressivas de espetáculos chorosos,
Facetas hilárias de indivíduos perturbados.
Sim! ELES são a grande chaga deste universo de alienados!

Preconizo a ferida viva em lugar da mentira oculta,
Prefiro a lascívia escancarada ao moralismo de uma puta.

O gume habilmente me perfura o par de orelhas.
Pronto! Não mais ouço argumentos estéreis zunindo como abelhas!
Também me desfaço da esperança equilibrista,
Do bom senso inebriante de bandeira pacifista.

Um corte mais preciso e profundo, pungente e jocundo, abre as portas para um fim rotundo:
Escorrem ainda rijas e vivas as vísceras que outrora me avivavam.
E junto delas afugenta-se o orgulho que eu guardava no fundo, mas que me tomaram.
O espelho ruborizado e abstruso, rachado e agora difuso, por fim me reflete defunto!