por Felipe Carvalho
Mais um dia de obrigações cumpridas! Sim, o dever foi cumprido! As tarefas exigidas pela sociedade, o labor necessário para o meu sustento, os favores que os amigos pediram, as demandas de um bom cidadão que respeita os idosos, não joga o lixo nas ruas e sorri quando necessário (mas que sempre julga necessário fazê-lo)... Enfim, tudo isso fora executado com perseverança e serenidade! Mas a sensação de dever cumprido ainda é muito fajuta! Que dever é esse que foi cumprido? E se foi cumprido, o foi com qual propósito, preocupado em agradar a quem?
Mais um dia de obrigações cumpridas! Sim, o dever foi cumprido! As tarefas exigidas pela sociedade, o labor necessário para o meu sustento, os favores que os amigos pediram, as demandas de um bom cidadão que respeita os idosos, não joga o lixo nas ruas e sorri quando necessário (mas que sempre julga necessário fazê-lo)... Enfim, tudo isso fora executado com perseverança e serenidade! Mas a sensação de dever cumprido ainda é muito fajuta! Que dever é esse que foi cumprido? E se foi cumprido, o foi com qual propósito, preocupado em agradar a quem?
Pois é, essa ansiedade infantil e perigosa constantemente nos cega para o cumprimento das reais necessidades, das obrigações que não estão estampadas na nossa cara, na constituição, em nossas roupas e nem avolumando nossas carteiras! A obrigação de cada um para consigo próprio! Putz, vai filosofar agora, maluco? Não, não vou! Ou talvez até vá...
Enquanto caminhava hoje pela pracinha, uma senhora de seus trinta e oito anos, cabelos até o cóccix, pele parda e fanático-religiosa de carteirinha me abordou com um almanaque de revistas supostamente “doutrinadoras”. Revistas que discutiam desde petróleo e sedentarismo adolescente a questões políticas e às dificuldades enfrentadas na terceira idade. Tudo isso, é claro, adaptado à perspectiva religiosa que me seria proposta! Não, ela não as estava comercializando, tampouco as pediria de volta! Aquela pobre mulher “apenas” almejava a minha adesão ao seu modo de vida ou sobrevida, entendam como quiserem. E aquelas despretensiosas “revistinhas” eram o passaporte para a minha conversão! Quanto desperdício de papel!
Não é do meu feitio a arrogância ou a indiferença. Claro que eu podia dizer rapidamente “estou com pressa” e continuar com a minha descontraída caminhada. Também podia querer discutir religião com a cidadã e exercitar minha musculatura mandibular e minhas cordas vocais, já que outro logro eu não obteria. No entanto, eu preferi entrar no jogo dela! Sim! Eu me vendi àquela mulher! Escutei pacientemente a tudo o que profetizava e, já sabendo o teor do discurso, os argumentos costumeiros e o seu objetivo final, procurei facilitar ao máximo o seu ingrato trabalho.
___________________________________________
Aproveitando-me da sua dificuldade em construir frases claras e sintetizar idéias, agi como um intérprete que representa um estrangeiro, verbalizando seus pensamentos e facilitando a vida da pobre balzaquiana na tentativa de encontrar “apelos” para me seduzir. É engraçado escrever isso mas, de certo modo, eu conspirei contra mim mesmo, deixei a beata munida de argumentos e, talvez, até mais confiante e crédula do que já era!
Tão logo ela se viu esgotada de recursos e comprazida com a minha feição de (con)vencido, eu pude finalmente concluir meu trabalho de “cooperador” e abreviar aquele momento. “Vou ficar com essa de esportes, então!”. Ela ganhara o seu dia! Ficou tão feliz com minhas “reações” que não pôde se conter: “Isso, garoto! Leia mesmo! E nos ajude se puder ou quiser! Tudo deve ser espontâneo! Gostei muito de você!”
Não me importava a sua cegueira e ignorância! Eu não seria capaz de mudá-la com teorias e lições de ciência! Então, preferi lhe dar o gosto, a satisfação de ter conseguido mais um fiel, devoto ou seja lá o que for! Ajudei-a a cumprir a sua questionável “obrigação” e, querendo ou não, através dela eu também cumpri parte da minha! Não, eu não sou um benfeitor que anda pelas ruas alegrando a vida das pessoas. Definitivamente, meu nome não é Pollyanno! O que fiz foi dar bananas a um macaco pidão! Espere, isso não soou muito bem! Na verdade, a lição foi bem mais simples do que parece: eu estava tentando “cumprir minhas obrigações” e, embora essa ainda não tenha sido a que me trouxe real satisfação, não posso tirar meu mérito por ter tentado! E continuarei tentando! Há muito mais urgências na cabeça de um garoto “beatificado” do que o mero cumprimento de deveres cívicos e necessidades “capitais”!
_________________________________
Ah, se aquela mulher soubesse quão distantes aquelas teorias estavam daquilo que eu realmente precisava... Talvez ainda falte muito para a sensação plena de dever cumprido, sabem-se lá quantas abordagens inusitadas ainda não me aguardam...
_______________________________
E que me perdoem os religiosos, mas a revista está até agora intocada, jogada em cima do sofá.
8 comentários:
Puts, esportes!!???
depois quero dar uma olhada,
ver essa perspectiva religiosa,
deve ser bem interessante,
a propaganda nas religiões,
boa Felipe,
óptimo texto!
e aí morals ! ! !
Felipe, o impresso ainda ta no sofá, não foi atirado em uma sexta de lixo da própria praça, com aquele pensamento "UUaaaa, feliiipe faz mais uma sexta de 3 pontos, no ultimo segundo do jogo!" Se achando "O" jogador da NBA? hahahahahaha..Bom texto, assim como vc, me vendo a certas teorias de alguns apenas pra finalizar logo o argumento.
"dar bananas a um macaco pidão!" hahahahahahaha...essa parteee!
Felipe, estava lendo seu texto e ouvindo "In the heat of the night" ("na temperatura elevada da noite"), de uma cantora internacional chamada Sandra. O engraçado é que a música deu um clima especial de "nada a ver". Portanto, desconsidere esse primeiro parágrafo.
Sempre acho que vc deveria usar mais vezes esse seu "senso crítico aguçadíssimo" para escrever os textos, pois eles ficam perfeitos. Essas suas "aventuras" no cotidiano são impagáveis, cara. Vc sim,deveria ser um personagem de crônicas. E já está sendo! Hahahahahahha!!! Com vc, fico pensando o quanto sou normal e o quanto meu dia-a-dia é sem-graça a ponto de não merecer uma crônica. Mas vou mudar isso. Heheheheheh!!
Muito bom mesmo, Felipão! Esse deveria ter se chamado "Máscaras da Vida - parte 2". Merecia esse título, né?
Grande abraço!
"labor", "cóccix", "logro", "balzaquiana", "comprazida"... afinal, com o quê estamos lidando aqui?
"Definitivamente, meu nome não é Pollyanno", huahauhauhauahuahauhauha!!!!!!!!!
Aahhahahaha, fiquei imaginando aqui que você fazendo isso! Muito bom mesmo!
E o pior que isso já aconteceu comigo, e tenho a certeza que eu não soube lidar com a situação tão bem quanto você.
Além do mais, esse seu toque literário ficou muito bom!
Parabéns!
Puuuuuuuuuuuuuutz, Felipe!!!
Conseguir agir assim com esses religiosos é coisa d gente corajosa, mesmo... Certamente esse personagem aí vai pro céu!!! (ahahahahahahah)
Bos!!!
Postar um comentário