sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Casa de Tasyro

Mais um conto de Matso Hatso, por Ciro M. Costa

Ouça 'Blood of Tears':

Já era de tardezinha, e o guerreiro Matso Hatso chegara à grande casa de Tasyro a tempo. Fora muito bem recebido por todos os empregados e pelo próprio Tasyro (um velho que estava sempre sorrindo, mas que suas expressões faciais condenavam ser de uma pessoa bem triste) que mandou lhe preparar um jantar especial.
Vendo tanto luxo e mordomia para um só homem, Matso ainda não compreendia porque sua mestra o havia mandado passar uma noite ali. “Ela sempre tem motivos muito especiais”, ele pensou, “melhor aguardar”.
Após o esplêndido jantar, foram até a beira de uma das piscinas da casa.
- Como conseguiu tudo isso? – perguntou Matso.
- Tudo? – perguntou Tasyro – Quando você pergunta sobre tudo, é tudo o que possuo e consegui até hoje?
- Sim.
- Depende, guerreiro. – respondeu o velho, com ar de desânimo – Muita coisa colaborou para isso: heranças, presentes, boas amizades... sorte talvez.
- Vejo que deve ter muita sorte pra ter conseguido tudo isso. Mas você não me parece muito feliz.
- Digamos que há muito eu esteja cansado de ser feliz, Sr. Hatso. É o tipo de felicidade que eu trocaria.
- Bem, a minha então você não desejaria.
- Aí que você se engana. Sei de toda a sua história, a perda de sua esposa e filha, a traição de seu melhor amigo, a perda da liderança em um vilarejo, uma filha prisioneira... e outra que quer assassiná-lo! Para falar a verdade, sinto inveja de você.
- O senhor só pode estar brincando!
- Venha comigo.
Tasyro conduziu Matso Hatso até uma porta que dava para uma grande sala. Assim que o velho levou o braço à maçaneta para abri-la, Matso percebeu que havia várias cicatrizes nele.
- Conheça minha Sala do Pagamento, Sr. Hatso.
O guerreiro ficou meio confuso. Era mesmo uma sala enorme, onde se via cordas espalhadas pelo chão, grandes sacos de batata, pesadas barras de ferro, pedaços de pau (manchados com sangue já seco), chicotes, bigornas, uma lareira... e uma espécie de piscina no centro, cuja água era imunda e malcheirosa.
- Isso mais me parece uma sala de tortura ou algo do tipo. – disse o guerreiro, sacando rapidamente sua espada. – Que tipo de homem é você? Vai me torturar, ou é o que faz com seus criados?
Tasyro suspirou, mantendo sua tranqüilidade:
- Calma, guerreiro. Baixe sua espada.
- Não, eu...
- Essas coisas todas não são para você e muito menos para meus criados! Tudo isso... tudo isso é pra mim! – dessa vez, Tasyro parecia um pouco perturbado.
- O quê???
Tasyro fez sinal com os olhos, para que Matso guardasse sua espada. O guerreiro, mesmo ainda surpreso, assim o fez. E o velho continuou:
- Você, assim como a maioria, parece ser um mal-agradecido, Sr.Hatso. Nenhum de vocês percebe o quão são privilegiados neste mundo. Durante minha vida inteira, eu tive tudo o que quis. Tudo! E todos ao meu redor sempre foram muito privilegiados também, tanto na saúde quanto na fortuna. Sofrimentos? Foram raros e passageiros! Nada que me deixasse arrasado! Nada que fosse uma verdadeira provação! E olhe que eu já tentei! Ah, eu tentei!! Mas Deus, Esse sempre me “mimou” demais! Nunca me deu um desafio, uma fase ruim para superar e me orgulhar disso! Nada que me desenvolvesse espiritualmente, guerreiro! Uma missão, um teste... de tudo eu implorei para Ele! E agora, eu já estou velho, e não vivi um terço do que desejei, nem aprendi metade do que almejei.
- Então, para isso criou essa “sala do pagamento”. Para “financiar” seu próprio sofrimento, já que julga que Deus não o deu a você.
- Isso mesmo. Só assim me sinto igual à todas as outras pessoas. Me sinto quites com o universo!


Para Matso Hatso, as coisas eram mais simples do que pareciam. Agora sim, ele compreendia porque sua mestra o havia mandado até ali.
- Acho que já está na hora de ir embora. – ele disse.
- Mas... ainda é noite! Pensei que fosse pernoitar em minha casa.
- Não será necessário, Sr. Tasyro. O senhor acaba de me fazer enxergar o que era necessário. E você deveria estar feliz com isso.
- Como assim?
- O senhor acha que não teve nenhuma missão durante sua estada nesse mundo. Bem, acho que está muito enganado! Sabe, já ouvi várias coisas sobre os deuses e suas leis, e não creio que eles o tenham colocado aqui só para ser feliz e inútil como pensa.
- O que está querendo dizer?
- Estou querendo dizer que você é um exemplo, senhor. Um exemplo dado por eles a todas as outras pessoas, de que na vida nem tudo são rosas. Sua fortuna e sua tristeza nos demonstram isso, fazendo com que percebamos que dinheiro e luxo não é tudo, e sim o desafio que cada dia nos propõe. Que sem os sofrimentos proporcionados pela vida, nosso triste destino é terminar como você. Triste... e insatisfeito de alguma forma.
Tasyro não pôde dizer mais nada. Não conseguiu. Fora como se lhe tivessem jogado um balde de água fria em sua cabeça. Ou pior do que isso. Depois de tantos anos, parecia que finalmente havia achado uma explicação que fizesse sentido.
Sem mais palavras, Matso Hatso partiu. Dois dias depois, teve notícias de que Tasyro havia morrido naquela mesma noite, dentro da Sala do Pagamento.
- Causas naturais. – lhe disseram. – Uma das criadas disse que Tasyro havia finalmente cumprido sua missão na Terra.
Por um breve momento, Matso Hatso quase sentiu tristeza. Mas ainda precisava redescobrir esse sentimento...

9 comentários:

Ciro disse...

Ciro, esse texto tá bem 'auto-ajuda', hein?

Sessyllya ayllysseS disse...

Uai, o Ciro comentou pra ele mesmo... Eu, hein... rsrsrs...

Se é auto-ajuda eu não sei... O que sei é que cada um tem sua própria cota de desafios ao longo da vida, cota calculada de acordo com o que a pessoa é capaz de suportar... E ninguém é plenamente satisfeito com a sua, porque não pára para tentar entender...

Penso que é assim, mas pode bem não ser...

Ótimo texto, Cirão!!! Adoro essa história do Matsu Hatsu, penso que deve ser uma de suas obras-primas.

Bjos!!!

Carlos Filho disse...

Então o velho não passava de um masoquista? hehehehehe
Bom texto, pra começar bem o final de semana!
Mas...será que ele nunca usou a sala pra outra...bom, deixa pra lá. Hahahahahahahaha

Pietro disse...

Cirão, esse Matso Hatso é pai da Samysa?

Bom texto esse aliás

husauhsahusa


bem explicativo

Bruno Carvalho disse...

Noooooooooooo! Eu é que ia falar que tava "auto-ajuda" ahahahhaha! O legal que a música encaixou perfeitamente no texto, digo, pois é o tempo para ler o texto e a música terminar...
Está ficando muito boa essa saga, até porque você publicou a passada há muito tempo e mesmo assim eu entendi tudo.
Mais uma vez, excelente cara! Não é porque transpareceu auto-ajuda que significa que um texto seja ruim, e outra, não ficou forçado e isso que importa!

Grande abraço!

Rafael disse...

noooooooo que frescura esse negocio de musica hehehe brincadeira filhao fui lendo e lembrando da musica mentalmente fica massa demais cirao novamente muito bom e mesmo se for auto-ajuda realmente nao parece ou entao é uma super auto-ajuda valeu demais hein ate mais

Anônimo disse...

Belo texto, bela história!!!!

Flavio Carvalho disse...

Boa,

essa saga está demais, cara!

espero que tenha muito mais,


abraços.

Felipe Carvalho disse...

Olha, Ciro, eu acho que esse papo de 'auto-ajuda' na verdade depende só do leitor! Não importa o texto, se você o leu e ele te serviu de lição ou te serviu de algum modo positivo além do mero entretenimento, ÓTIMO! Sinta-se "ajudado" e fique feliz! E eu inclusive lhe peço: continue me ajudando a me ajudar, ou seja, continue escrevendo tão bem assim!!

Grande Ciro!!