Ela o olhava tão intensamente que seus olhos revelavam todo o seu pensamento, toda a sua verdade, todas as suas vontades. Seu olhar despia-o... Era capaz de circundar todo o seu corpo. Era capaz de revelar todos os seus detalhes, por mais íntimo que fosse, sem nunca ter se aproximado dele. Na verdade, era a primeira vez que o via. Belamente belo. Com todas as perfeições davidianas. Cabelos, olhos, nariz, orelhas, boca... Ah, sua boca! Não havia boca mais bela, mais perfeita, adornada por dentes perfeitamente enfileirados, alvos, de uma brancura nunca antes vista, impossível de se comparar.
Em toda a sua simplicidade, Santiago divertia-se com todas as novidades que acabara de encontrar. Eram casas imensas, carros velozes, pessoas e mais pessoas. Multidão nunca antes nem sonhada. Bem que lhe falaram que seria um novo e intenso mundo. Chegara a duvidar, mas agora percebia que realmente era verdade. As muitas informações que recebera a cerca da cidade foram dois ou três comentários, de pessoas que estiveram fora do pequeno vilarejo onde vivia há mais de 20 anos.
Lembrava-se perfeitamente de quando se decidira a abandonar aquele deserto. Algo em seu coração dizia que era hora de alçar vôos maiores, mais altos. Santiago entendera que era hora de cruzar aquele mar poeirento e ensolarado. Deixou para trás somente lembranças. Boas? Também. Deixara lembranças e nada mais. As pessoas a quem amava foram todas dizimadas por uma peste, que nunca se soube de onde veio e qual rumo tomou... Era hora de ir. Lutar por sua própria vida. Adquirir seus próprios conhecimentos. Crescer em si para si. Nunca possuíra grandes ambições. O mundo nunca exigiu isso dele, e ele nunca deu isso ao mundo.
Linda a cidade onde aportou... Descobria com olhos ambiciosos – nunca tivera ambição – cada detalhe de cada rua, de cada casa, de cada rosto, ele não sabia precisar bem, que ao passar por ele surgia um quê de curiosidade. Todos os olhos o olhavam com tamanha afeição que despertava desconfiança... Era afeição imprópria para um forasteiro. Mas ainda assim, mil olhos o acompanhavam, sempre, onipresentemente. Estava se acostumando com isso.
No entanto, ele sentia que um olhar o incendiava mais que qualquer outro. Um par de olhos o despia, o fazia sentir livre e preso ao mesmo tempo. Esse olhar tirava de si toda a privacidade. Desnudo estava e permanecia até que a boa vontade de tão famigerados olhos se cansasse ou se apiedasse de si. O que geralmente acontecia muitos minutos depois...
Santiago ainda possuía uma tênue venda em seus olhos. Sua simplicidade ingênua ou ingenuidade simples o impedia de ver o que realmente se escondia por trás de cada olhar. Ainda não pertencia ao seu vocabulário palavras como “paixão”, “desejo”, “malícia”, “segredo”, etc. E como a ele não pertencessem, era impossível que sentisse algo por alguém possuidora deste ou daquele olhar. Intrigava-se apenas. Era ainda um Narciso que não descobrira o espelho... Embora tivesse sua alma descoberta, admirada por ser tão nobre e límpida.
Ela ainda olharia Santiago por muitas vezes. Muitas vezes seus olhos se enlouqueceriam tentando conectar-se ao seu olhar, à sua vida, ao seu caminho. Mas era tudo tão ledamente simples que ele passava e nunca se deu conta das batalhas travadas naquele coração por sua causa. Ela o amava ardentemente. Morreria por sua causa. Mataria por sua causa. Em futuro incerto, ela o mataria por não saber amá-la. Mataria a si própria, enlouquecida por uma paixão furiosa. Enfim, Santiago voltaria a habitar entre os coros angelicais, de onde nunca deveria ter saído. Ela sofreria... Sofreria até o fim de toda a sua eternidade.
6 comentários:
Caraca, Rê, esse final ficou perfeito!!! Imprevisto e maravilhoso!!!
Penso que houve uma releitura da velha história do retirante que vai para a cidade grande... Em vez de simplesmente abordar os problemas sociais, você tratou de uma outra vertente da personalidade humana... E ficou ótimo!!!
Será que essa história do Santiago não vai virar um livro não, hein?! Tem potencial...
Super parabéns!!!
Bjuuuuuuuuuuus!!!
Belo texto, amigo. Descrições perfeitas, me fez recordar quando, ao contrario do escrito, me levou de um terra conturbada à terrinha em que vivo hoje.
Ao amigo Flávio:
Enviei meu e-mail. Estou no aguardo quanto à "proposta".
Ainda me lembro dela e daquela cidade...nunca mais! hehehehe
Isso me lemra uma coisa que me disseram mais eu já esqueci...
Boa Vassssaaaago!
Isso me lembra muita coisa, cara!
Bela produção, Régis!!
Interessante notar que há olhares que nos deixam inquietos e simplicidades que nos encantam! Como o ser humano é incoerente! ahauahuauahauhaua Talvez esse seja o preço que se pague pela ingenuidade e pureza. Pobre Santiago!
Excelente texto,
traz muitas mensagens dentro dele,
abraços
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