quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Cinco mais um.

Era a décima segunda pedra que ele catava no caminho e colocava em sua mochila. Todos que o acompanhavam admiravam-se de tal atitude, mas ainda ninguém tivera a coragem de perguntar a Hendrigo o porquê daquilo. Não se sabe se por pena, por respeito ou qualquer outro sentimento menos nobre, sabia-se apenas que ninguém perguntou e ele nada comentou por todo o longo caminho que percorreram juntos. Hendrigo, no auge de sua juventude, esbanjava vida. Trazia em si a força e a beleza naturais, próprias daqueles que nasceram para ter uma vida viva. Vida cheia de aventuras, de amores e magias. Tudo isso fora destinado ao jovem rapaz, mas por uma questão ou outra não havia nada disso com ele.

Ao partirem há quase uma semana, os rapazes não sabiam nada do que enfrentariam. Em suas veias a aventura transbordava. Respiravam a liberdade e transpiravam o gozo de viver como sempre quiseram. Sem responsabilidade, sem compromisso, sem certezas de algum amanhã. Tudo o que queriam era viver. Viver plenamente o significado da palavra vida. Viver por viver, se é que alguém tem essa capacidade; era assim. Isso era o que fortalecia tanto os laços que uniam aqueles cinco jovens corações. O desejo de serem animais indomados. Sem cárceres, sem rédeas, sem donos. Partiram com a promessa de não voltarem tão cedo e quando o fizesse, provavelmente não seria do lugar do qual saíram. Procurariam outros rumos. Outros cantos ainda não explorados por vidas tão aventureiras. O destino havia sido traçado para seis, no entanto, ainda eram cinco, ainda viviam como se fossem os únicos e, nesses mesmos, eles se bastariam. Mas não foi assim, nunca é assim.

Ao amanhecer do décimo quinto dia de caminhada, já estavam longe. Não haviam definido uma direção correta: iam seguindo as curvas do caminho, entravam em atalhos, em atalhos dos atalhos e mais atalhos apareciam. E eles iam se embrenhando pelo mundo de meu Deus! Por mais incrível que pareça é assim... Sempre há mais caminhos nos atalhos tanto quantos forem os atalhos nos caminhos. Sozinhos, eles descobriram essa verdade e prometeram – cada um a si próprio – espalhar essa boa nova. Continuariam a percorrer, por longos dias a fio, se não fosse o encontro. Um mero acaso... Um mero acaso? Mas lá estavam eles, face a face. Cinco de uma margem, um da outra. Olhares desconfiados, passos tímidos e sorrisos distantes. Eles não se conheciam. Não deveriam cruzar os caminhos, não deveriam se olhar tão demoradamente e não deveriam achar nos olhos tantas afinidades. Mas foi assim que aconteceu: Hendrigo foi achado e o destino dos seis se completava ali. Ainda não se vislumbrava um bem ou um mal. Ainda era cedo saber, mas se tinha a certeza de uma vida em comum, cheia de mistérios ainda insondados.

Na manhã em que encontraram o moço, muitas coisas havia acontecido durante a noite: sonhos perturbadores, risos fantasmagóricos, névoas intensas e, no final, um silêncio incomodante, que nem mesmo os insetos ousavam desafiar. Muito se passou na cabeça de cada um deles. O mais velho era o mais incrente. Não confiava e nem acreditava em nada. E ele sabia que havia uma atmosfera diferente que envolvia Hendrigo e a sua história. As perguntas feitas inicialmente sequer foram respondidas. Não houve, porém, possibilidade de novas perguntas, já que Hendrigo às vezes caminhava à frente ou muito atrás. Tempo era algo que não poderiam perder. Havia de preservá-lo até o momento oportuno.

Agora, de volta ao hoje, cada uma das cinco almas observava o estranho ritual do jovem forasteiro: abaixar-se, pegar uma pedra e enfiá-la na mochila. Depois de um tempo, imaginavam, seria impossível carregar, por causa do peso, que já despontava no semblante carregado de cansaço do rapaz. Aquilo já os estavam incomodando. E o silêncio firmado tornava-se irritantemente incômodo. Muito se passava na cabeça de cada um deles. Via, revia, criava e recriava cada uma das cinco histórias. Observavam o outro garoto, que parecia muito mais jovem que eles, com muito mais vigor e muito mais esperança. Sentiam-se enfraquecidos pela sua presença. Algo esmorecia dentro de cada um. Uma única solução se despontava: andariam, provavelmente para sempre, e, a exemplo do um, passaram a recolher em cada curva as suas próprias pedras.

7 comentários:

Ciro disse...

Hahahahahhaha!! Reginaldo, Reginaldo...
Em resposta ao seu comentário no meu texto, é o seguinte: se vc consultar o 'Arquivo Verde' do blog, em Junho/2007, verá que, depois q vc comentou o meu texto da Hera Venenosa, eu comentei SIM um texto seu, chamado 'Suicídio'. E, verá que eu TAMBÉM comentei seu texto depois dele, intitulado "Sobre Cores", postado em 04/07/2007. E verá, ainda, que depois disso, VOCÊ é quem não comentou mais meus textos. Tá lá pra todos verem.
Pode olhar, que tenho certeza que vc encontrará essas pedras que o Hendrigo deixou pra trás.

Grande abraço!

"Não tem mistura aqui não, meu amigo" - Gil Brother

Sessyllya ayllysseS disse...

"Sempre há mais caminhos nos atalhos tanto quantos forem os atalhos nos caminhos."

Rê, pra resumir, eu poderia dizer que adoraria ter escrito esse texto. Mas como não observar a riqueza de significação filosófica que vc constuiu? Os 5 queriam a liberdade incondicional e fugiram pruma caminhada que aparentemente nem precisava ser calculada. E eis que se tornam prisioneiros do mistério que Hendrigo carrega, sem nem mesmo saberem que mistério é esse. Quanta coisa fica implícita ou pressuposta aí... Nem sei (d)escrever, esse texto exige uma daquelas nossas conversas pela madrugada a fora... rsrsrs...

Adorei!!!
Bjos!!!

PS: Quanta carência há nesse blog, viu?! rsrsrs

Vassago disse...

Sinceras desculpas pelos erros de concordância... Só hj relendo eu os vi. Corrigi o q foi possível! Rssrsrsr!

Flavio Carvalho disse...

Vassago,

incrivelmente filosófico e
com elementos para nós leitores
pensarmos com nossos botões,
talvez até com nossas pedras,

parabéns pelo texto,

abraços,

Carlos Filho disse...

Gostei da parte do "

Pietro disse...

Eu conheço o cinco contra um

hsuauhsauhsauhsauhsauh

belo texto

só que eu tive que reler para entender a reflexão

até mais, abraços

Felipe Carvalho disse...

Ainda estou digerindo essas pedras nos meus rins! rsrsrs

Há mesmo muito o que se extrair do atípico Hendrigo (a começar pelo nome) XD

A nobreza de sua solidão e a dedicação no apanhar das suas pedras (simbólicas ou não) batem de frente com a insegurança das "hienas" sempre em bandos e a falta de um norte comum (já que cada um vê um atalho diferente).

Companhia X Solidão, como saber escolher?

Abraço!