terça-feira, 29 de julho de 2008

A cidade fantástica da lei simplesmente absurda... (parte final)

Por Bruno C. O. Carvalho
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Final da história é final da história. O bom disso é que não é preciso ficar dando explicaçãozinha não! Ou leu e gostou, ou leu e não gostou! Espero sinceramente que seja a segunda opção...
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- Belo peido pastor! – disse um fiel.
- Isso mesmo, esse mostra a realidade... – disse outro.
- Ser humano peida mesmo gente, fazer o quê, né? – Falou Dona Maricota.

E o líder da banda ordena imediatamente: “Al capone”, de Raul Seixas!

O pastor fica perplexo com tudo aquilo. As pessoas agindo com uma naturalidade fora do comum. Senhoras estavam dançando, homens distintos prestavam atenção no “sermão”. Era como se estivessem fora da realidade.

Do outro lado da cidade, Rodolfo, o cozinheiro, trazia comida crua para os clientes. Eles comeram, e ainda agradeceram: “- Obrigado pela comida de hoje irmão, as fibras não cozidas farão meu intestino funcionar melhor!”

É, parece que os “Conformados” já tinham a sua estratégia pronta. Por mais loucos que poderiam estar os revoltados, com certeza os conformados estavam ainda mais. Os fatos que aconteceram por aqueles dias, deixaram claras que as intenções da maioria dos habitantes daquela cidadezinha eram concretas e determinadas.

O dentista também tentava “não fazer a sua parte”:
- Vou fazer um canal neste dente seu aqui! Só obturação resolve, mas eu vou fazer canal!
- Tudo bem, canal é bom também!
- Mas eu vou fazer mal feito!
- Ah! Melhor ainda! Canal mal feito é igual obturação! Eu lhe agradeço!

No estádio:

E Marquin, o atacante do time de Canto pequeno parte com a bola... dribla um, dribla dois e... volta o caminho... será uma estratégia? Não, ele está indo em direção ao próprio gol... driblou o goleiro de seu time e fez gol contra! O que é isso minha gente! Ele vai em direção à torcida:
- E aí! Algum problema!
- Pois é Marquin... essa ventania ta braba rapaiz! Esquenta não!
- O bichão é jogador mesmo! Enfrenta o time e a ventania...


O padeiro:

- Tá aqui seus pão Dona Zuleica! E não tem manteiga não!
- Faiz mal não meu fi, eu como pão puro mesmo! Brigada mesmo assim, tá?


O maior erro dos “Revoltados” foi não esperar por uma reação daquelas, ou melhor dizendo: “não-reação”. E tudo aquilo não ficou só no fogo de palha. Realmente os Conformados seguiram com o plano até o final. E assim, poucos dias se passaram, até que, finalmente os “Revoltados” desistiram de lutar. E o primeiro sinal de fraqueza veio justamente de onde tudo começou, ou seja, do pastor:

- Bom dia!
- Bom dia pastor
! – responderam os fiéis em uníssono.
- O senhor quer que a gente toque um Raulzito? – disse alguém da banda.

- Vocês são uns vagabundos! Ninguém presta aqui! Ninguém!

- Ninguém presta mesmo pastor! Tens razão! Temos que ser humildes! – Disse Sr. João.

- Cala a boca! Cala a boca! Eu to bêbado! Ninguém está me ouvindo! Ninguém aqui preeeeeeeeeeesssssssssta!!!

Um breve silêncio tomou conta da sala. Logo depois, foi substituído por um breve comentário...
- Tá incorporado...
- Ei, é mesmo... o bichão tá incorporado!

E o povo continuava: - Ó! Ta incorporado mesmo! E é espírito de esquerda!
- O cara é bom mesmo! É isso aí pastor!!

- Querem saber de uma coisa? Eu vou é ficar pelado agora!

- Pessoal, pelo que sei é pecado fazer isso. Mas ele tá incorporado né? Então pode! - Disse Genoveva.

- Assim não dá... Não dá mesmo! Eu desisto! Vocês venceram! No próximo Domingo eu leio a bíblia!

Depois fora a vez do eletricista:
- Esse chuveiro da senhora ta passando de bom! Tá consertado! Só não sai água quente...
- Melhor ainda meu filho... Água fria faz bem pra pele... Toma aqui o dinheiro do conserto!
- Mas não é possível! A senhora tá vendo que eu estou com má-vontade, que não consertei e ainda cobrei e ta tudo certo?
- Eu não entendo dessas coisas meu filho. Temperatura é coisa de Químico. Qualquer uma pra mim tá boa. Brigado tá?

E aos poucos a cidade foi voltando ao que era antigamente. O padeiro começou a ter dó dos clientes por terem que comer pão puro. O dono do restaurante... bem, já que ele tinha que fazer comida para ele, o que custava fazer para os outros também? Quanto ao jogador, esse simplesmente não viu graça em ser sem-graça, e parou de marcar gols contra. Coincidência ou não, ele ficou uns bons tempos no banco reserva depois disso.
Muitos saíram da cidade para tentar trabalhar fora, um deles foi o marceneiro. Uns voltaram, outros continuaram por lá. Mas a grande maioria simplesmente desistiu, e ainda tiveram a certeza de que não era somente a lei que fazia com que a cidade prosperasse, e sim a união de um povo em prol de um mundo melhor.
A única exceção foi em relação ao travesti, filho de Glauco, que foi consertada em praça pública pelo prefeito:
- Opção sexual não tem nada a ver com profissão! Desde agora, está extinta a profissão do finado Glauco, que convenhamos, não temos sequer a idéia de como seu tataravó começou essa profissão...

Enquanto os habitantes de Canto Pequeno tivessem boa vontade e união, nada os abalaria, por mais estranhas que fossem suas leis. Era assim que pensava a maioria. Dom? talento? Isso era frescura! O negócio vem da genética! A batalha chegou ao fim. Vitória dos conformados!
Ao longe já era possível avistar algumas placas com dizeres diferentes. Dentre elas, se destacava uma que dizia:
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“Meu tataravô era um filho da puta! Por isso hoje eu sou o merda que sou... mas com muito orgulho!”.

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FIM
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3 comentários:

Pietro disse...

Bem interessante, mostra mesmo que o conformismo do povo muitas vezes pode superar a vontade de lutar.

E brunão, voce espera que a gente não goste, rapaz?

Ciro disse...

Não tem como não gostar não, rapaizim! "eu como pão puro mesmo", isso me é bem familiar, hahahahahhahah!!!

Brunão, nota 1000 essa saga. Essa última parte então, além de hilária (a conformidade dos 'conformados' foi perfeita, hahahahahha!) traz aí pra galera uma mensagem importante de união e força. Chuif! Até me emocionei, cara!

Parabéns!

Sessyllya ayllysseS disse...

É uma pena que o povão não se una com tanto empenho para uma mudança útil que traga melhorias... A força da inércia é maior porque mudança exige ação, e ação exige esforço, e esforço exige vontade, e vontade exige... Bom, ser conformado dá menos trabalho, né?!

Muito boa essa trilogia! Gostei também...

Bjim!