sexta-feira, 30 de abril de 2010

A Cidade da Justiça

Por Ciro M. Costa, mais um capítulo da saga de Matso Hatso


Atenção: essa parte da história se passa antes da morte de Samyra Hatso e do reencontro de Matso Hatso com a mestra Dayka.

- Bom dia, guerreiro!
Com certeza, aquele era o pior “bom dia” que Matso Hatso recebera em muito tempo. Por um momento, sentiu raiva de si mesmo por ter dormido tanto e ficado tão vulnerável. Agora tinha uma espada apontada para sua testa.
- Makyro Kamro mandou lembranças, Sr. Hatso!
- Katoro! – disse Matso Hatso, como se não estivesse surpreso. – Você também estava à minha caça.
- Está brincando? Praticamente todos os guerreiros do vilarejo estão. Sabia que Makyro ofereceu até a mão de sua filha boazinha em casamento pra quem te matar?
Não demorou muito até Matso perceber que estava cercado por cinco conhecidos seus. Todos armados. Quanto à sua espada, havia, claro, desaparecido.
- Claro que está. – disse ele. - Por que de outra forma, ninguém daquele vilarejo conseguiria se casar com ela. Não há ninguém homem o bastante!
O guerreiro que lhe apontava a espada sorriu ironicamente.
- Se essas são suas últimas palavras, Sr. Hatso, saiba que são muito baixas. Um guerreiro tão nobre quanto dizem, deveria dizer coisas mais sábias próximo de sua morte.
- Bom, então acho que é sábio dizer, Katoro, que não entendo porque ainda me chama de “Sr. Hatso”. Afinal de contas, você já não é mais aquele rapaz que nos entregava os pães todas as manhãs. Agora é o repugnante capacho de Makyro. Aliás, acho que é isso o que você sempre foi: um mero capacho. Primeiro de seu pai, agora de ...
Neste momento, Katoro deu um pontapé no rosto de Matso, interrompendo-o.
- Seu cretino!! – gritou Katoro, furioso e desembainhando sua espada. – Você sabe nada sobre mim e meu pai! Você não tem a mínima idéia do que passei!!!
- Não sei de muita coisa, mas o que sei é que apesar de tudo, você era um bom rapaz, Katoro! Uma pessoa digna, humilde e honesta! E agora? O que você é??
- Eu vou lhe mostrar quem sou...
Súbito os cinco guerreiros caíram no chão. Matso se levantou rapidamente, pegando a espada de um deles. Logo percebeu que eles haviam acabado de ser assassinados, cada um com uma arma diferente encravada em suas costas.
- Quem está aí???
Então, várias pessoas saíram dos arbustos.
- Calma, Matso Hatso. Estamos do seu lado.
- Quem são vocês? – Matso não largou a espada.
- Eu sou Uakami, e todas essas pessoas são minhas amigas. Por favor, não se preocupe. Se quiséssemos te matar, já o teríamos feito.
Matso Hatso não duvidou disso, afinal, em poucos segundos eles haviam tirado a vida de cinco ótimos guerreiros de seu antigo vilarejo. Olhou ao redor, e viu que juntamente com Uakami, estavam várias famílias, incluindo crianças. Todos tinham uma arma diferente: machados, facas, espadas, pedaços de pau...
- Baixe sua espada, guerreiro. Quero lhe apresentar minha família.
- Qual delas? – perguntou Matso, jogando a espada no chão.
- Assim está melhor. É um prazer finalmente conhecê-lo.
Uakami estendeu a mão para Matso Hatso, que sequer se moveu.
- Como assim? Quem anda falando de mim por aí?
- Oras, em todas as florestas e vilarejos só se tem falado disso. – disse Uakami, baixando sua mão. – Quero lhe apresentar à cidade itinerante de Rabakás.
- Rabakás??? Cidade itinerante?? Que diabos...
- Sim. Se nunca ouviu falar de nós, somos as pessoas daquele vilarejo que foi atacado por assassinos anos atrás. Muitas pessoas morreram e muitas casas foram destruídas. Depois de um longo tempo em cativeiro, eu e meu pessoal aqui resolvemos nos unir, e acabar com todos eles.
- Acho que ouvi algo a respeito. Vocês fazem justiça com as próprias mãos, a troco de nada.
- Sim. Desde então temos andado por aí, como ciganos, e temos tentado trazer justiça a esse mundo, com o poder de nossa união. Creio que acabamos de fazer isso novamente, quando matamos seus inimigos.
- Desculpe por não agradecer por isso, Uakami, mas sozinho teria dado conta deles. Eu seria muito idiota se morresse nas mãos de Katoro e seus amigos.
- Eu bem sei disso, guerreiro. Mesmo assim, não custa dar uma mãozinha, certo? – Uakami olhou para o céu. – Ei, não quer tomar o café da manhã conosco?
Matso Hatso sentiu vontade de dizer ‘não’ e sair logo dali. Mas muitas vezes sua fome era bem maior que o orgulho...

Enquanto tomava o café e comia alguns pães feitos por Uakami, Matso observava os moradores. Realmente todos eram muito unidos e tinham uma perfeita sincronia ao trabalharem juntos. Em pouco tempo haviam montado as barracas e o café estava bem farto. E as crianças... Matso viu duas delas afiarem uma espada.
- Serão excelentes guerreiros no futuro! – disse Uakami, parecendo adivinhar seus pensamentos.
- Tenho certeza que sim. Assassinos desde cedo. – disse Matso Hatso, secamente.
Uakami sorriu.
- Então, você também é padeiro? – perguntou Matso.
- Sim. Desde os meus 13 anos.
- Você sabe, Uakami, que matou o filho de um padeiro hoje?
- Não diga...
- Sim, Katoro. O rapaz que ajudava o pai todas as manhãs e flertava inocentemente com uma de minhas filhas, tentou me matar hoje. E, ironicamente, foi morto por outro padeiro. – Matso Hatso fez uma expressão, que era o mais próximo de um sorriso que ele conseguia naqueles dias. - Bom, então ele deixou de ser padeiro há muito tempo. Hoje ele era um assassino...
- E você, Uakami? O que é? Um padeiro, ou um assassino?
De repente, Uakami sentiu vontade de parar de ser simpático.
- Está insinuando o quê, “Sr. Hatso”?
- Eu? Apenas fiz uma pergunta, Uakami. Talvez você ache certo, juntamente com sua ‘cidade itinerante’ sair fazendo justiça e matando assassinos por aí. Mas e quanto às crianças? Seria certo elas aprenderem isso desde cedo?
- Entendo o que está fazendo. Também conheço sua fama de sair por aí dando lições de moral nas pessoas. Não sei por que se acha em posição de fazer isso, guerreiro assassino.
- Estou em posição inferior, Uakami, simplesmente. Não há mais esperança pra mim. Minha esposa e filha estão mortas. Uma filha está me caçando pra me matar e a outra é prisioneira de Makyro Kamro. Minha família está praticamente desfeita, mas... e quanto a você? Olhe ao seu redor! Ainda há esperança para todos vocês! Não é justo que se rebaixem a tudo isso e levem as crianças pelo mesmo caminho!
- Você não sabe o que a gente passou...
- Não mesmo! Mas vale a pena ainda ficar olhando para o passado... ou é melhor o futuro?
Dito isso, Matso Hatso se levantou e pegou sua espada. Estava pronto para partir novamente. Uakami, por sua vez, estava bastante pensativo.
- Bem, acho que é hora de dizer adeus, padeiro. Agradeça aos outros por mim pelo delicioso café da manhã.
- Matso Hatso...
- Sim?
- Agora entendo o que dizem sobre você. Embora você ache que não, mas ainda há nobreza em seu ser. Apesar de você não mostrar sentimento algum, sei que eles estão aí dentro. Espero que faça uso de suas próprias palavras, pois ainda há sim, esperança para você e sua família. Embora tenha uma filha assassina e a outra prisioneira, ainda são sua família. Pense nisso, guerreiro, e que os bons ventos o levem.
- Pensarei, Uakami. Pensarei...
Então, Matso Hatso desapareceu na floresta, seguindo seu caminho em meio a tantas incertezas. Estaria ainda sua jornada longe de terminar? Afinal, ele estava nela para ensinar... ou para aprender? Ou ambas?
Somente o tempo e o caminho lhe diriam...

6 comentários:

Pietro disse...

Matso Hatso!

Melhor Série do blog, com certeza!

Gostaria de tê-la completa e em sua ordem cronológica!

=)

Mauro disse...

hatso é sempre bom.

mas não entendi esse episódio. como se encaixa no resto da série?

Sessyllya ayllysseS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ciro disse...

Valeu, pessoal!

Pietrão e Cecília, em breve vou passar as aventuras do Matso Hatso tudo para formato de livro. Vou só escrever mais umas partes e compilar. Aí vocês poderão ler tudo na ordem, com uns 'detalhes a mais', heheheheh!!!

Mauro, a saga de Matso Hatso é uma grande jornada, então, essa aventura simplesmente se encaixa no meio da jornada.

Abraaaaço, pessoal!!!

Bruno Carvalho disse...

Boa!
Essa saga ainda tem muito que percorrer! Realmente uma prova de que o Cirão não é só de comédia! Os críticos da revista Veja estavam errados! Multiescritor!
Muito bom meeeeeeeeeeeeessssssssssmo!
Parabéns!

Ciro disse...

"Revista Veja", hahahahahha!!! Valeu, Brunão! Exagerado como sempre! Hihihihi!!!