sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Última Batalha Acima das Nuvens


Inspirado em imagem formada por nuvens, vista por Ciro M. Costa



A seguinte história foi contada pela mestra Dayka Nikki ao guerreiro Matso Hatso, pouco antes deste último sair em busca de suas próprias lágrimas...
"As batalhas acima das nuvens aconteceram há muito tempo atrás, em época bem antes de se inventarem as mitologias. Mas a história a seguir não é nenhum mito. Em um lugar inacessível, acima das nuvens, existiram vilarejos e pessoas como nós. E no meio disso tudo, dois gigantes chamados Cesarte e Fanzuh.
Ninguém nunca soube de onde eles surgiram e porque estavam sempre em guerra. Cesarte, guerreiro em sua armadura e seu cavalo, sempre respondendo pela ordem e pela justiça. E Fanzuh, criatura símia e abominável, acusada de destruir vilarejos e matar pessoas inocentes. Felizmente, para os mais fracos, Cesarte parecia dedicar sua vida à defendê-los sempre que possível. Muitas vezes o mesmo teve dificuldades e já muito foi jurado que desistiria de sua função, mas isso nunca aconteceu.
Cesarte também nunca falhou, quando se tratava de derrotar Fanzuh. Sempre que este último era avistado por algum vilarejo, lá estava o guerreiro para lutar e derrotar o chamado 'gorila gigante'. Casas eram destruídas e pessoas eram mortas no meio das batalhas, mas Fanzuh era sempre derrotado. Derrotado, para mais tarde retornar e outras batalhas recomeçarem.
É certo que muitos se perguntavam por que Fanzuh nunca fora morto por Cesarte. Se o monstro assim o fosse, a paz reinaria no reino dos céus. Teria, afinal, algum dia, um fim?
Tal pergunta talvez fosse respondida, naquele dia, em que Fanzuh convocou Cesarte para uma última batalha. No começo Cesarte achou estranho e até relutou um pouco, mas pressionado pelos aldeões de vários lugares, preparou-se e compareceu ao local.
À beira de uma nuvem, Fanzuh lá estava, aguardando pacientemente o guerreiro. Mas o mais estranho de tudo, era o posicionamento do monstro. O mesmo estava bem na borda da nuvem, de tal forma que se desse um passo em falso, cairia dela e sua morte seria certa. Vendo isso, Cesarte redobrou seu cuidado, pois obviamente se tratava de algum tipo de armadilha.
- Sabia que demoraria, mas que cedo ou tarde viria. - disse Fanzuh, pacientemente.
- Criatura diabólica, o que quer afinal? - perguntou Cesarte com fúria nos olhos, e seu cavalo parecia compartilhar do mesmo sentimento.
- Se dissesse a você que apenas quero conversar pela última vez, você acreditaria?
- E desde quando fazemos isso?
- Que me lembre, nunca tivemos tempo pra isso.
- Claro, você só tem tempo de aterrorizar pessoas e destruir casas. Mas acho que já está na hora de acabar com isso. Relutei muito, mas creio que já é hora de matar você, Fanzuh.
- E posso perguntar por que relutou, se era algo óbvio a se fazer?
- Por que não achava justo acabar com um ser bestial como você. Talvez você nunca tivesse culpa de ser assim, só estava agindo por instinto. Infelizmente, um instinto assassino.
- Interessante você falar desse jeito. Faz realmente muito sentido. Mas, é claro, ambos sabemos que está mentindo.
- O quê? Como ousa...
- Você é tão assassino quanto eu. Ou vai dizer que não sabia que vidas estavam sendo tiradas enquanto batalhávamos 'bestialmente'? Quantas vezes me derrubou no chão, provocando destruição em vilarejos inocentes?
- Foi preciso! Eu tinha que deter você, sua ameaça...
- Acho que combater uma ameaça, sendo mais inteligente que ela, o torna tão bestial quanto ela. Já reparou que nunca cheguei a invadir realmente uma vilarejo?
- Como não??? Está mais insano do que é??
- Sempre estive passando pelos arredores, mas no final era praticamente arremessado nas casas por você, Cesarte. Na verdade, nunca ameacei ninguém. Você e todas essas pessoas é que acabavam me julgando pelas aparências.
Cesarte não respondeu. Parecia pensar. Não queria, mas tinha que dar um pouco de razão ao monstro.
- Já pensou se o grande vilão não era o tempo todo, você? - perguntou Fanzuh.
- Oras, não seja ridículo, símio insolente! Se era tão inocente assim, por que nunca me disse nada? Por que sempre concordou em batalhar comigo e destruir todos esses lares??
- Porque sempre tive raiva de você, guerreiro! Foi aí que eu errei. Me deixei levar pelas emoções, e lá estava eu tentando te matar. Mas reconheço isso, não se preocupe. Foi pra isso que o chamei aqui hoje. - dito isso, Fanzuh deu um meio passo pra trás, como se ameaçasse cair propositalmente pela nuvem.
- Mas que tipo de armação é essa? - perguntou Cesarte, apontando sua espada. - Seja o que for, não serei idiota de...
- Não, Cesarte! Isso é realmente o que está parecendo. Estou a ponto de acabar com nossos problemas.
- Você não teria coragem!
- É aí que se engana. Tenho mais coragem do que imagina. Coragem suficiente para admitir meus erros e pedir perdão para a humanidade. Acabando com minha própria vida, darei uma oportunidade a essas pessoas de um novo modo de pensar.
- Nunca ouvi nada tão absurdo em toda a minha existência!
- Sim, absurdo. Mas também necessário. Adeus, Cesarte! Boa sorte em vida!
E assim, o símio gigantesco, com amenidade nos olhos e leveza no coração, deu mais um passo pra trás e teve sua histórica queda e morte. Tal feito teria sido relatado por um homem que presenciara tudo, e mais tarde teria contado ao seu rei.
Quanto à Cesarte, permaneceu ali, imóvel. Sabia sim, que no fundo, aquilo não era nada bom. Ele que sempre se julgara justo, agora não se sentia assim. E assim como se sentia necessário à humanidade, agora também se sentia o contrário. Afinal, com quem agora batalharia? Como viver em um mundo em que se era o único titã ainda vivo?
- Maldito Fanzuh! Não é justo que tenha feito isso!! Maldito!!!
Diz-se que dias depois Cesarte matou seu próprio cavalo, e em seguida se matou, deixando dúvidas acima das nuvens se era herói ou vilão (uma vez que a morte do suicídio de Fanzuh já havia se espalhado).
Quanto à Fanzuh, seu corpo caiu na terra, vindo a ser enterrado pelas forças da natureza. Anos depois, no local de seu descanso, surgiram da terra os primeiros animais símios. Estes últimos, seres que eram semelhantes aos seres humanos, para nos lembrar que, apesar das aparências, outros seres podem ser tão heróis ou vilões como nós."

2 comentários:

Rubens Salomão disse...

Enfim, voltaste das férias, hein? Eu e minha filha esperamos agora ver esses textos todas as sextas! Aliás, este está 'supimpa'.
Forte abraço!

Mauro disse...

Muito bom!
Tira esse maniqueísmo bobo e demonstra que ninguém é totalmente bom ou totalmente mal. Há sempre algo de ambos.