sexta-feira, 13 de abril de 2007

O Espírito de Kyra Hatso

Por Ciro M. Costa



Ouça "Guardiani Del Destino" (Rhapsody):

Após deixar o Lago de Lágrimas, o guerreiro Matso Hatso parou debaixo de uma árvore para um breve descanso. Não podia ficar ali muito tempo parado, ou Samyra Hatso poderia alcançá-lo. Ela, sua própria filha, enviada por seu inimigo para matá-lo. Era uma jogada inteligente, afinal, bem sabia o inimigo que Samyra possuía um coração ruim, e que Matso Hatso não machucaria alguém que tinha em suas veias sangue de seu sangue.
Por um breve momento, o guerreiro dedicou seus pensamentos à Samyra. Lembrou-se de quando era pequena, de como sua mãe parecia lhe dar preferência. De como ela sempre fora a que mais lhe dera trabalho. A mais ativa dentre as outras. E, curioso, sempre que pensava em uma de suas filhas, o guerreiro já se lembrava das outras duas. Talvez por serem trigêmeas tão idênticas na aparência e tão diferentes na personalidade. Primeiro, lembrou-se da doce Mahyra, sua filha de coração mais nobre, que no momento era mantida prisioneira por seu inimigo. Matso sempre a considerou o oposto de Samyra, e por isso tinha a impressão de amá-la bem mais. E ainda, mais amada que Samyra, também era...
- Kyra. Você está aí, não é?
- Olá, papai.
Mesmo sendo aquela a primeira vez em que via Kyra depois de ter sido expulso de seu vilarejo, Matso não demonstrou nenhuma surpresa.
- Tenho acompanhado o senhor em sua jornada.
- Eu sei, minha filha. Eu a senti. Por que não tem conversado comigo?
- Se eu pudesse, estaria com o senhor o tempo todo. Mas, infelizmente, não depende de mim.
- Entendo...
- A dama do Lago está chorando pelo senhor neste momento.
- Neste mundo, parece que consigo magoar os outros, menos a mim mesmo. Justo eu que preciso tanto de minhas lágrimas.
- O senhor irá conseguir, papai. Eu sei que vai.
Por um breve momento, Matso olhou para os olhos de sua filha. Eles tinham um brilho estranho. Um brilho parado, ele pensou. Como se o tempo para Kyra houvesse de fato parado no tempo depois que ela morrera.
- Eu não sei. – disse Matso – Desde que você se foi, perdi qualquer sentimento que possuía. E ainda depois de seu enterro, sua irmã Mahyra começou a ser exageradamente boa, e Samyra exageradamente má. Acho que você era nosso equilíbrio...
- Talvez sim. Mas talvez não. Talvez, depois de minha morte, Mahyra tivesse percebido que deveria ser mais forte, por isso mudou suas atitudes, consideradas drasticamente boas. Ela é uma lutadora, papai. E isso a faz uma pessoa boa. Quanto à Samyra, ficou mais fraca. Entregou-se facilmente. Ela é daquelas pessoas que acham mais fácil dar um soco do que um afago, ofender do que elogiar, estrangular do que abraçar... segurar uma espada ao invés de uma mão. No entanto, não creio ainda que Samyra seja tão má. Apenas tem preguiça de ser boa.
- E quanto a mim?
- O senhor também se entregou, mas de uma forma diferente. Com a antítese de minhas irmãs, não soube encarar minha morte, sem contrariar nenhuma das duas. Com isso e com a ajuda de outros fatos, desaprendeu a chorar, a sorrir e até mesmo a ter raiva.
- Mas como? Com alguém pode desaprender a ter sentimentos?
- Se eu lhe contasse, sua jornada terminaria aqui. E, acredite em mim, ela é mais do que necessária.
- Necessária? Se eu não tivesse sido traído pelo meu melhor amigo e perdido minha casa, saiba que eu estaria lá ainda neste momento, levando a mesma vida que sempre levei!
- Talvez seja por isso então que todas essas coisas ruins aconteceram, papai. O senhor não pode contra as leis divinas. Sua espada não pode cortar forças maiores do que ela. E, o mais importante, o senhor não pode impedir o universo de ajudá-lo! E, acredite em mim, eu bem sei do que falo.
Dito isso, Kyra desapareceu.
Matso Hatso pegou sua espada embainhada e recomeçou sua caminhada. Não estava sentindo absolutamente nada, mas tinha consciência plena de que deveria estar chorando.

11 comentários:

Anônimo disse...

Belo desenho.

Anônimo disse...

muito bom

essas histórias do matso hatso estão dando uma bela sequencia

Anônimo disse...

Não entendi, o cara era médium?

Sessyllya ayllysseS disse...

Putz, Ciro!!! Tô sem palavras!!!

"Ela é daquelas pessoas que acham mais fácil dar um soco do que um afago, ofender do que elogiar, estrangular do que abraçar... segurar uma espada ao invés de uma mão."
[...]
"Sua espada não pode cortar forças maiores do que ela. E, o mais importante, o senhor não pode impedir o universo de ajudá-lo!"

Continuo sem palavras, porque esse texto usou todas de maneira perfeita... Tô louca pra ver o livro completo com a saga de Matso Hatso.

Beijos!!!

Felipe Carvalho disse...

Muito bem escrito, Ciro !! Você está cada vez mais se dando bem com as palavras, isso é notável !! De fato, essa saga está me empolgando, viu rapaz !!

Destaque para o trecho abaixo (Por que será?)
;D

"- Necessária? Se eu não tivesse sido traído pelo meu melhor amigo e perdido minha casa, saiba que eu estaria lá ainda neste momento, levando a mesma vida que sempre levei!"

E ótima escolha de trilha sonora tb!

Grande Ciro !!
Abraços

Anônimo disse...

Menino, eu quero uma espada dessas!!!!!

Anônimo disse...

RESPEITA MINHA FAMÍLIA, RAPAIZ!!!!!!!

Flavio Carvalho disse...

Ô loco Cirão,

excelente meu caro,
a música muito bem escolhida,

está ficando dez cara,
dez!!!!!!

Carlos Filho disse...

Cirão, bem q podia vir o link com os textos anteriores. Igual ao "Tem um exercito em meu quintal" hehehehe

Muito bom o texto, esse ai eu pago pra ler na boooa!

Anônimo disse...

Isso me é familiar...

Bruno Carvalho disse...

Filho puta! Filho da puta! E mais uma vez filho da puta!!! Que sequência fantástica!!! e eu achando que a história dos guardas romanos me prenderia mais...
Não que a história dos guardas romanos seja ruim, mas essa...está simplesmente sensacional!! Genial Cirão!!!! Desbravando fronteiras e estilos!

Filho da puta mais uma vez por me deixar tão curioso!!!

Muito bom!!